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Não é coincidência, há um sistema que há séculos vem desumanizando os negros e negras em nosso país e cada vez mais precisamos combater o racismo estrutural

Nas últimas duas semanas, as vísceras do nosso país foram expostas mais uma vez, na forma de racismo. Algo que mancha a história do nosso país há muitos anos e até hoje algumas pessoas – que nunca leram um livro de história ou quiseram se aprofundar sobre a trajetória do povo negro – insistem em difamar, diminuir o ser humano só por conta da presença de melanina na cor da pele.

O primeiro caso foi envolvendo o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, brutalmente assassinado por três homens, no Rio de Janeiro. O jovem negro, havia saído da República Democrática do Congo em busca de melhores condições de vida e escapar da guerra que assola o país, no entanto, acabou morto.

Segundo a família de Moïse, o jovem de 24 anos teria ido ao quiosque onde trabalhava informalmente, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, cobrar uma dívida de R$ 200 referentes a dois dias de trabalho, quando foi golpeado por mais de 30 vezes.

No último final de semana, a Coalizão Negra Por Direitos realizou uma série de ações para buscar justiça para o congolês. Foram feitos protestos e atos em várias capitais do Brasil, incluindo o Rio de Janeiro (local do crime) e Salvador (capital mais negra fora da África). Além disso, o grupo formalizou denúncia na ONU após reunião com o Subcomitê para a Prevenção da Tortura no Brasil.

Atualmente, três agressores flagrados pelas imagens de uma câmera de segurança do quiosque estão presos pelo crime. A polícia, a princípio, os indiciou por homicídio duplamente qualificado. Uma testemunha que viu o espancamento de Moïse contou que os agressores disseram para ela não olhar porque o homem que estava apanhando com um porrete de madeira era um assaltante.

Ela disse ainda que os autores mentiram para os socorristas, afirmando que o corpo já estava no local do crime.

O segundo caso, que também aconteceu no Rio, foi um caso envolvendo Durval Teófilo Filho, de 38 anos, homem negro assassinado por um Sargento da Marinha, ao ser confundido com um bandido, por ser negro. O atirador, foi seu vizinho de condomínio, Aurélio Alves Bezerra, que depois do terceiro disparo socorreu a vítima e foi preso em flagrante.

Luziane Teófilo, esposa de Durval, disse ao portal G1 que escutou os tiros. Ela afirma ainda que o marido morreu porque era preto. “A minha filha, que tem 6 anos, estava esperando por ele. Imediatamente ela olhou pela janela e disse que era o pai dela”, narrou.

Preso, Aurélio Alves Bezerra teve sua prisão convertida em preventiva e a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro, a tipificação do crime foi mudada para homicídio doloso, quando há intenção de matar. Pela Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, o militar foi indiciado, inicialmente, por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar.

A vítima, Durval Teófilo Filho, foi morar em condomínio para fugir da violência.

O terceiro caso aconteceu em Salvador, mais precisamente no Salvador Shopping, dentro do supermercado Super Bompreço. Os seguranças do estabelecimento foram acusados de terem cometido crimes de racismo e agressão física contra três jovens. Esses garotos fazem parte de um projeto social e pediam doações para participar do Campeonato Brasileiro de Jiu-Jitsu, em São Paulo.

As vítimas são integrantes do Projeto Boa Luta, que atende quase 400 jovens em situação de vulnerabilidade social, no bairro da Boca do Rio, na capital baiana. Conforme o professor de artes marciais Yuri Carlton, habitualmente os alunos mais velhos, já adolescentes, vendem água mineral em semáforos da região, a fim de conseguir recursos para campeonatos.

“Os seguranças os pegaram pela camisa e levaram para uma sala. Chamaram eles de ‘pretos safados’ e disseram que ‘favelado é ladrão’. Passaram uns 15 minutos com os meninos lá dentro e, como não encontraram nada, [os seguranças] liberaram eles, dizendo que a loja não era lugar para estarem pedindo nada”, disse o professor.

A Polícia Civil informou que apura a denúncia de ameaça e injúria racial e disse que os envolvidos serão ouvidos na Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Derca). A assessoria do Salvador Shopping informou que entrou em contato com integrantes do Projeto Boa Luta para entender a denúncia e destacou que os envolvidos não fazem parte do quadro de seguranças do centro comercial.

A rede Big Bompreço afirmou que o caso ocorrido não corresponde aos procedimentos e aos valores da companhia. E assim que tomou conhecimento do fato, abriu uma sindicância interna para apurar os fatos e tomar todas as medidas necessárias.

O quarto caso, também na capital baiana, é o mais recente e aconteceu nesta segunda-feira (07/02). A loja de decoração Hangar das Artes, com espaço físico no Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães, em Salvador, colocou negras e negros escravizados à venda. As peças de cerâmica, em alusão ao Brasil colonial, mostram mulheres e homens acorrentados pelas mãos, em condições subumanas.

Com o status de obra de arte, os produtos, espécie de souvenir, eram anunciados pela Hangar, ao lado de uma etiquetinha branca: “Escravos de cerâmica – R$ 99,90, a unidade”. A denúncia foi feita pelo portal Metro1 e repudiado nas redes sociais por turistas que visitam a capital baiana.

“Nunca imaginei que fosse encontrar isso justamente em Salvador: a cidade mais negra do Brasil. Foi um choque terrível. Tudo remetia a algo de mau gosto. Era como se fossem imagens do Preto Velho e da Preta Velha, mas com correntes. O que não faz sentido, porque eles não usam correntes. Pra piorar tudo, ainda tinha a placa dizendo que eram escravos. Tudo de péssimo gosto”, diz o historiador carioca Paulo Cruz.

Prontamente a comunidade negra de Salvador entrou em ação e vai entrar na justiça sobre o caso. A União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro) vai entrar na Justiça contra a loja Hangar das Artes. De acordo com o presidente da entidade na Bahia, Eldon Neves, a questão é inadmissível em pleno século XXI.

“Um espaço que cultua o artesanato como é a Bahia, como é Salvador, a gente tem uma loja que provavelmente é uma loja racista, de donos racistas, que exalta o processo de escravidão no Brasil. E que nós, do Movimento Negro combatemos, porque a gente sabe que esse processo de escravidão no Brasil foi um caso muito doloroso e devastador”, afirma.

A empresa Vinci, que administra o aeroporto de Salvador, informou que ordenou a retirada imediata das peças racistas do estabelecimento. “Após tomar conhecimento da comercialização de peças que remetem à desonrosa atividade da escravidão no Brasil em um dos estabelecimentos dentro de suas dependências, o Aeroporto de Salvador recomendou a retirada desses produtos do estoque da loja. Apesar de não determinar a curadoria dos produtos vendidos por cada subconcessionário, a administração entendeu que era fundamental se posicionar nesse caso”.

Esses são alguns exemplos dos muitos que acontecem diariamente com a população negra, que sobrevive e resiste a tantos ataques e ao sistema colonial presente no Brasil, conhecido como racismo estrutural. Onde o objetivo é desumanizar o negro, não lhe garantindo direitos e jogado as margens da sociedade. Ontem, hoje e sempre é necessário ser cada vez mais antirracista!

Manifestação do presidente da AEPET-BA

Negro, o presidente da AEPET-BA, se manifestou sobre os constantes casos de racismo que vem sendo expostos na mídia e que acontecem de forma recorrente no Brasil:

Assassinatos de pretos e pretas são arquivados sem que se diga quem os matou. “A carne mais barata do mercado é a carne negra”, porque publicamente se permite, em praça pública, espancar negros até a morte. No caso de Moïse, como os demais são marcadas pela desumanização da vítima de modo estrutural e institucional; o Estado, maior violador dos corpos negros, quando ele mesmo não violenta, e mata, autoriza o morticínio diário de negros e negras, em particular os mais jovens. Pode-se matar alguém a pauladas porque estava cobrando o seu direito de, na condição de trabalhador, receber pelo trabalho realizado.

A carne mais barata do mercado foi direto para o açougue onde se matam pretos e pretas, que se tornou o Brasil. Até quando a paz dos brancos significará a guerra diuturna contra negros e negras indefensos, que morrem sem ter como reagir e por cometer o único crime de ser negro em um Brasil estruturalmente racista.

Diante desta realidade não basta não ser racista, devemos ser antirracista.


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