Neste artigo, Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e do Observatório Social da Petrobrás, discorre sobre os lucros do 1º trimestre de 2022 anunciados pela Petrobrás nesta semana, explicando também com análises, as consequências desses resultados. “A Petrobras enterrou qualquer finalidade econômica-social para o Brasil e se transformou em uma máquina de espoliação de brasileiro, para pagar o máximo de dividendos possível ao mercado”, afirma Eric Gil.
Leia a seguir o artigo:
A Petrobras anunciou, na quinta-feira (5), mais um lucro líquido imenso, agora de R$ 44,56 bilhões, computados de janeiro a março de 2022. Isso mesmo, em apenas três meses!
É o terceiro maior resultado trimestral da empresa, atrás do 4º tri/20 e 2º tri/21, mas é preciso lembrar que os R$ 60,45 bi de lucros do quarto trimestre de 2020 se deveu ao artifício do impairment. O que, em tese, coloca o resultado atual como segundo melhor da empresa.
No geral, as explicações para a alta do lucro são as mesmas do ano passado: alta produção, com baixo custo, advinda principalmente do pré-sal (que já representa 72% do total da produção), preços do petróleo e dos combustíveis em alta em termos históricos e um câmbio que continua bastante deteriorado. Mas vejamos os fatores específicos que fizeram com que a Petrobras tenha atingido um resultado tão grande.
Não é nenhuma surpresa que isto tenha acontecido. Ano passado a empresa já havia divulgado um lucro líquido de R$ 106 bi. Com a guerra da Ucrânia, o aumento do preço do barril e o estouro dos preços dos combustíveis, seria estranho se a estatal não tivesse chegado a valores como esse. O preço do brent subiu 27% e dos derivados básicos 12%, o qual já estava no maior patamar da história no trimestre passado.
Perspectiva de nova alta
Dois elementos apontam que o resultado será ainda maior no 2º tri/22. Primeiro, a questão do preço do barril. O brent até agora (1º de abril a 6 de maio) já está 5% superior à média do primeiro trimestre, e provavelmente ficará neste nível ao longo deste e do próximo mês. Isto fará subir ainda mais as receitas da Petrobras entre abril e junho, com um brent a 105 e não a 100 dólares.
Além disto, o preço interno do brent para transferência ao refino da Petrobras ficou em US$ 93,71, ou seja, a estatal cobrou US$ 7,69 a menos pelo petróleo repassado às suas refinarias do que o preço internacional. No ano passado, essa diferença estava entre 2 e 3 dólares. A normalização deste preço acontecerá muito provavelmente com a Petrobras subindo os preços dos combustíveis na porta da refinaria e retirando este “subsídio” interno
A própria venda da RLAM, como aponta a empresa no documento sobre o resultado, fez com que a Petrobras aumentasse suas receitas de E&P por poder repassar à refinaria Mataripe preços internacionais, ao invés do seu “preço interno” (neste contexto de defasagem de quase 8 dólares) – mas por outro lado perdeu no volume de vendas, já que a RLAM detinha 13% do refino da estatal. Isto, como sabemos, resulta para o consumidor final baiano os maiores preços do país.
Segundo é a questão do refino. Como falei, o item “Preço derivados básicos – mercado interno R$/bbl” subiu 12% no 1º trimestre em relação ao trimestre anterior. Se compararmos com o mesmo período de 2021, o preço subiu 55,5%. Isto porque o mega-aumento da Petrobras – quando a estatal reajustou em 43 centavos a gasolina e 90 centavos o diesel – foi no dia 11 de março, ou seja, só pegou 20 dias (ou 22% do período que trata o resultado do 1tri/22). No próximo resultado teremos um preço médio muito superior. É muito provável que nos próximos dias a Petrobras anuncie um novo grande aumento, que chegaria a mais de 1 real para o diesel. Ou seja, mais receita com os mesmos custos.
Exportações em alta
A Petrobras também aumentou as receitas de exportação em 15,4% se comparado com o trimestre anterior, isto por conta do petróleo exportado (+36%), já que a segunda maior fonte de receitas de exportações da petroleira, a de venda de bunker, diminuiu (-4,8%).
Os setores de extração e de refino foram tão lucrativos que, individualmente, a Exploração e Produção (E&P) deu um lucro líquido de R$ 41,31 bilhões e o refino (item que inclui refino, transporte e comercialização) um lucro de R$ 10,35 bilhões.
Outro número que mostra o quão a Petrobras está lucrativa é o Retorno sobre o Capital Empregado (ROCE). No geral da empresa, o ROCE do 1º tri/22 ficou em 9,9%, 2,1 pontos percentuais acima do que no trimestre imediatamente anterior. No E&P, o ROCE está em 14,2%, 3 p.p. a mais do que no quarto trimestre. E no ROCE refino, transporte e comercialização 7,4%, 1,2 p.p. a mais do que no trimestre anterior. Isto mostra claramente o quanto a empresa ganha, em termos de retorno, com o aumento geral de preços, mesmo não fazendo todos os repasses do PPI.
Privatizações
Boa parte das receitas também veio de novas privatizações. Neste trimestre a empresa recebeu desta fonte R$ 9,3 bilhões – sendo a maior privatização delas o campo de Bacalhau (antigo Carcará), vendido por quase US$ 1 bilhão, além das vendas dos Polos Alagoas, Carmópolis e Potiguar. Até o dia 5 de maio, extrapolando o resultado em discussão, a Petrobras já recebeu US$ 3 bilhões de privatizações (R$ 15 bilhões), e assinou US$ 6,7 bilhões (R$ 33,5 bi) em novas privatizações. E isto obviamente acaba no bolso dos acionistas.
E é justamente essa a última questão a ser tratada aqui. A Petrobras enterrou qualquer finalidade econômica-social para o Brasil e se transformou em uma máquina de espoliação de brasileiro, para pagar o máximo de dividendos possível ao mercado. Ano passado a Petrobras entregou R$ 101,4 bilhões (dos R$ 106,6 bi que teve de lucro) em dividendos aos acionistas.
Neste 5 de maio, o Conselho da empresa aprovou o pagamento de R$ 48,5 bilhões em dividendos, superior inclusive ao próprio lucro para o trimestre. Em 2021 a Petrobras e a Vale pagaram mais dividendos do que todas as outras empresas listadas na B3, juntas. Neste ano, segundo estimativa do banco UBS, a Petrobras será a petrolífera com maior pagamento de dividendos (dividend yeld) de todo o mundo. Esse dinheiro está saindo do nosso bolso!
Os jornais deste 6 de maio dizem que este lucro recorde beneficia, principalmente, o governo e, consequentemente, nós mesmos. Mas, na prática, não é bem assim. Segundo estimativa da Receita Federal, para conter a alta dos combustíveis, a União renunciará a R$ 15 bilhões de receitas neste ano, e segundo a Comsefaz, os governos estaduais renunciarão a R$ 31 bilhões de receitas. Logo, a soma das isenções fiscais (R$ 46 bilhões) é maior do que os R$ 37,3 bilhões de dividendos pagos à União em 2021.
Mesmo os governos torrando mais do que se ganharam em dividendos da estatal, não evitaram, nem de longe, a alta histórica da gasolina, do diesel e do GLP. Mas preservaram politicamente o PPI e os seus parasitas.
(Artigo publicado no Sindipetro-SC)