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“O preço que estamos pagando na bomba hoje, seja de gasolina ou diesel, é o preço que o brasileiro estaria pagando caso não tivessem acontecido a campanha do ‘Petróleo é Nosso’, a criação da Petrobrás, a construção de um parque de refino e a descoberta de petróleo no Brasil”, afirma em entrevista para o Petronotícias o vice-presidente da AEPET, Felipe Coutinho e aponta caminhos para o preço justo dos combustíveis. A entrevista foi publicada no dia 08/03.

Leia a seguir a entrevista de Coutinho na íntegra:

O Petronotícias abre o noticiário desta semana debatendo o mercado de combustíveis do país, assunto que ganhou os holofotes desde a mudança no comando da Petrobrás. A política de preços da estatal tem sido um dos pivôs dessas discussões, por desencadear sucessivos reajustes e abrir mercado para os importadores. Para conversar sobre essa situação, entrevistamos o presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Felipe Coutinho, que afirma que a petroleira é capaz de abastecer o mercado nacional com valores menores do que os praticados atualmente. “O preço que estamos pagando na bomba hoje, seja de gasolina ou diesel, é o preço que o brasileiro estaria pagando caso não tivessem acontecido a campanha do ‘Petróleo é Nosso’, a criação da Petrobrás, a construção de um parque de refino e a descoberta de petróleo no Brasil”, afirmou. Coutinho acrescenta que a Petrobrás “pode praticar preços inferiores aos de paridade de importação e, ainda assim, manter alta lucratividade e geração de caixa suficientes para administrar sua dívida e fazer novos investimentos”.

O entrevistado alerta que a atual política de preços não é só prejudicial para o consumidor brasileiro, mas também traz prejuízos aos investidores minoritários, já que a Petrobrás está perdendo mercado para importadores e, consequentemente, está diminuindo sua geração de caixa. Coutinho também vê com preocupação a venda de oito refinarias da estatal e traz dados que apontam que o parque de refino brasileiro é capaz de atender a demanda nacional por derivados. Por fim, ele sustenta que o único beneficiado com a atual política de preço da Petrobrás são os importadores: “O Brasil tem capacidade de refino instalada para abastecer o mercado de diesel e gasolina do país. No entanto, como a direção da Petrobrás passou a arbitrar preços relativamente altos, com paridade de importação, isso acabou viabilizando o negócio dos importadores”.

Petronotícias – Gostaria começar perguntando sobre sua visão sobre a tão controversa política de paridade de importação (PPI) que vem sendo adotada pela Petrobrás nos últimos anos.

Felipe Coutinho – O preço de paridade de importação é uma estimativa. Não é um dado empírico, algo que possa ser medido. Essa estimativa é feita a partir de todos os custos de internalização do combustível. É um preço que teria um combustível caso tivesse sido importado. Ele considera primeiro o custo do produtor do país de origem. No caso do Brasil, a maior parte dos combustíveis vem do Golfo do México nos Estados Unidos. Você soma esse custo do produtor a todos os custos logísticos – transporte, lucro do transportador, taxas portuárias, seguro e custos da distribuição. Essa é uma política inédita. Isso nunca existiu na história da Petrobrás até outubro de 2016, quando foi inaugurada pelo ex-presidente Pedro Parente e mantida pelos seus sucessores Ivan Monteiro e Roberto Castello Branco.

Isso significa que o consumidor brasileiro vai pagar o combustível com o mesmo preço caso ele tivesse sido importado. Então, o preço que estamos pagando na bomba hoje, seja de gasolina ou diesel, é o preço que o brasileiro estaria pagando caso não tivessem acontecido a campanha do “Petróleo é Nosso”, a criação da Petrobrás, a construção de um parque de refino e a descoberta de petróleo no Brasil. Então, fazendo uma abstração, imagine que o Brasil não tivesse nada disso que acabei de citar. Qual o preço que seria pago pelos combustíveis? O PPI. É um preço que onera de uma forma desnecessária e prejudica a economia nacional.

P – E qual seria a alternativa à PPI?

FC – A alternativa seria a Petrobrás sempre fez: abastecer o mercado brasileiro aos menores custos possíveis. Como fazer isso? Através dos baixos custos que a Petrobrás tem, pois é uma empresa integrada verticalmente. Ela procura o petróleo até disponibilizar o derivado na distribuidora. Porém, a BR distribuidora foi privatizada e isso é um complicador. Mas na refinaria ainda é possível garantir, porque a companhia tem capacidade de abastecer todo o mercado brasileiro de diesel e gasolina.

A Petrobrás, sendo uma empresa integrada verticalmente e nacionalmente e tendo custos baixos, pode praticar preços inferiores aos de paridade de importação e, ainda assim, manter alta lucratividade e geração de caixa suficientes para administrar sua dívida e fazer novos investimentos. É possível – e historicamente foi possível – abastecer aos menores custos possíveis, respeitando as necessidades empresariais e atendendo a meta histórica da Petrobrás, que é desvincular o Brasil do mercado especulativo internacional e dos interesses das grandes multinacionais do setor.

P – Quais são as consequências do PPI para o mercado brasileiro?

FC – A Petrobrás produz mais petróleo do que consumimos. Nós temos um excedente cada vez maior para exportação de petróleo cru. O Brasil tem capacidade de refino instalada para abastecer o mercado de diesel e gasolina do país. No entanto, como a direção da Petrobrás passou a arbitrar preços relativamente altos, com paridade de importação, isso acabou viabilizando o negócio dos importadores.

Com o combustível caro na refinaria da Petrobrás, o seu diesel relativamente caro perde competitividade com o diesel produzido nos Estados Unidos e passa a ficar encalhado na refinaria. Quando você tem um diesel encalhado, você é obrigado a reduzir a carga das refinarias, porque o produto não está competitivo e não encontra compradores.

Quando isso acontece, a Petrobrás está produz menos diesel, gasolina e processa menos derivados brasileiros. E o Brasil acaba exportando mais óleo cru. Esses derivados importados começam a inundar o mercado brasileiro em até 30%. Os grandes beneficiários são os agentes da cadeia de importação.

P- De que forma isso prejudica a Petrobrás?

FC – A Petrobrás perde porque, apesar de vender mais caro por litro produzido, tem menor volume total vendido. Quando você compõe esses dois aspectos (ganhar mais por litro e perda de 30% do mercado), há um prejuízo na geração de caixa. Eu discordo de que o acionista minoritário tenha sido beneficiado com essa política. Pelo contrário, ele foi prejudicado também, porque a Petrobrás gerou menos caixa.

As refinarias da Petrobrás processam mais de 90% de óleo produzido pela estatal. E temos capacidade para abastecer o mercado de diesel e gasolina. Inclusive já produzimos no passado mais diesel e gasolina do que é demandado hoje.

Em 2014, foram produzidos 181,6 milhões de barris de Gasolina A no Brasil, equivalente a 248,8 milhões de barris de Gasolina C (com 27% de etanol anidro). Em 2018, o mercado brasileiro de Gasolina C foi de 241,2 milhões de barris. Ou seja, existe capacidade instalada de se produzir no Brasil a demanda pela Gasolina C de 2018.

No caso do diesel, também em 2014, foram produzidos 312,4 milhões de barris no Brasil. Em 2018, o mercado brasileiro de diesel de origem fóssil – descontada a fração de Biodiesel – foi de 316,6 milhões de barris. Além disso, o primeiro trem da RNEST entrou em operação em dezembro de 2014, o que aumenta a capacidade de refino e produção de diesel. A capacidade de produção nacional é compatível com a demanda. Caso exista a necessidade de importação de diesel, seria residual.

P – E no meio desse cenário todo, a Petrobrás ainda está vendendo suas refinarias. Ao seu ver, isso deve piorar a situação do preço de derivados?

FC – Certamente. Caso o governo brasileiro leve adiante a privatização de oito das 13 refinarias, que representam 50% da capacidade de refino da Petrobrás, vai ficar muito mais difícil, praticamente impossível, mudar essa política de preços. Cada produtor desintegrado vai praticar o máximo preço possível, impedindo a competição do combustível importado. [Os novos operadores das refinarias] vão praticar o preço de paridade de importação mais alto possível, desde que não percam mercado para os importados. Isso caso eles [os novos donos das refinarias] decidam produzir, porque também podem decidir não produzir. Se forem produtores com capacidade de refino fora do país, eles podem importar os produtos e não produzir aqui.

Nesse caso, o governo brasileiro e a população terão muito mais dificuldade de praticar preços mais baixos do que os de importação, já que teremos mais de um produtor de capital privado, cujo objetivo é maximizar o lucro no prazo mais curto. Então, essa é a consequência: impedir que o Brasil continue tendo uma vantagem histórica de dispor da Petrobrás como empresa integrada e verticalizada. A Petrobrás é capaz de abastecer a custos menores do que os internacionais e, ainda assim, pode ser uma empresa pujante, capaz de investir, administrar sua dívida, desenvolver tecnologia e manter a renda petrolífera no país.

P – Que tipo de política de preços deveria ser feita no Brasil para aliviar o bolso do brasileiro?

FC – Como já mencionei, a Petrobrás deveria recuperar seu objetivo histórico, que é o abastecimento do mercado nacional de combustíveis aos menores custos possíveis. Historicamente, a Petrobrás já mostrou que é capaz de fazer isso. Temos capacidade instalada para isso. Somos superavitários na produção de petróleo. O petróleo [do Brasil] é adequado às nossas refinarias. Tanto é que as nossas refinarias já produziram mais de 91% da carga processada com petróleo brasileiro. Temos capacidade instalada para abastecer o mercado de diesel e gasolina. Então, não há menor necessidade de vincular os preços da economia nacional aos preços de paridade de importação.

Além disso, a Petrobrás também deve priorizar fazer seus investimentos com alto conteúdo local para que isso retenha no país a renda petrolífera e promova desenvolvimento nacional a partir dos investimentos feitos para agregar valor ao nosso petróleo cru. O país deve limitar a exportação de petróleo cru. Nenhum país de dimensão continental, como o Brasil, se desenvolveu exportando óleo cru ou qualquer outra matéria prima sem agregação de valor. É preciso ter uma política de agregação de valor a esse petróleo cru, refinando com petroquímica no país. Temos que evitar um ciclo do tipo colonial – que é o que está acontecendo – e ter um projeto de desenvolvimento nacional, com participação significativa do estado para garantir a retenção da renda petrolífera.

P – Muitos daqueles que defendem a atual política de preços da Petrobrás afirmam que o petróleo é uma commodity com preços internacionais e dizem ainda que essa política vai promover a competitividade no país. Como rebate esses argumentos?

FC – Isso, na verdade, é uma mentira. Uma falácia, um argumento enganoso que visa fazer com que o sistema financeiro internacional se aproprie dos recursos nacionais aos menores custos possíveis. O petróleo é uma commodity especial. O fato dele ter uma padronização internacional, preço internacional e ser negociado em bolsa de valores não o torna em uma mercadoria qualquer. A história menciona o número de guerras que têm sido travadas pela disputa desse recurso, que é estratégico para o desenvolvimento das economias.

Então, por conta de todas essas características, o petróleo é uma mercadoria especial, escassa e que está em disputa pelo mundo. Não pode ser tratada como uma commodity qualquer, como trigo, minério de ferro ou qualquer outra.

O mercado brasileiro é aberto e competitivo. O que não se pode é obrigar a Petrobrás a praticar preços altos para viabilizar a importação. Que competição é essa que a Petrobrás é cobrada para praticar preços relativamente altos para viabilizar o negócio do importador? A competição é benéfica quando gera a redução do preço. Nesse caso, a situação se inverteu. Nesse caso, se pede preços relativamente altos para favorecer a importação. A Petrobrás é eficiente o suficiente para praticar preços mais baixos e garantir o abastecimento do mercado nacional de combustíveis.

Por Davi de Souza, Petronotícias


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