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O  QUE FAZER DEPOIS DE FRADE

Vazamento no campo expõe fragilidades de todos os lados, com exageros e omissões, mas já mexe com ações e procedimentos da indústria

Cláudia Siqueira

Compartilhar as lições aprendidas com os vazamentos de óleo ocorridos no campo de Frade, na Bacia de Campos, em novembro do ano passado e em março, é hoje uma das mais importantes tarefas da indústria brasileira de óleo e gás. Assustadas com a repercussão do do episódio, recheada de exageros, omissões, demagogia e populismo, fora o desconhecimento técnico, as companhias vêm desenvolvendo ações e aprimorando processos para evitar que tal situação se repita no futuro. Ou que os efeitos de um problema semelhante não sejam tão devastadores como os que têm acometido a Chevron, operadora do campo. A Petrobras, por seu tamanho no segmento de E&P no país, tem demonstrado interesse crescente no que diz respeito à segurança das operações após o episódio Frade.

Por isso a companhia vem intensificando o ritmo das reuniões com as empresas de perfuração e repassando seus indicadores de derrames e as principais fragilidades na área.

Dez dias ápos assumir a presidência da petroleira, em fevereiro, Graça Foster determinou a formação de um grupo de trabalho para levantar todos os vazamentos e propor as melhores práticas para evitá-los. O trabalho prevê um plano de ação em busca do que a companhia batizou de ¨ Vazamento zero.¨ ¨Esse passa a ser o índice de SMES (Segurança, Ambiente, Eficiência Energética e Saúde) que nos interessa ,¨ disse a executiva em carta enviada aos funcionários da Petrobras no início de abril.

O levantamento indicou 53 ocorrências de vazamento em 2011 oriundas da atividade de perfuração. As ocorrências envolveram derramamentos de fluidos à base de água, óleos lubrificantes, óleo diesel, óleo hidráulico e fluido sintético, responsável por 31 das ocorrências.

Em termos de volume, vazaram 3.250 litros de hidrocarbonetos (óleo lubrificante, hidráulico e diesel) e outros 876,5 mil litros de fluidos de perfuração – um total de cerca de 5,5 mil barris. O grande vilão desses derrames foi a operação de desconexão de emergência, responsável por 632 mil litros- 72% do total vazado.

Se trabalhar para zerar derramamentos foi o primeiro passo da Petrobras, as petroleiras estrangeiras começaram por outra frente. A ação imediata dessas companhias foi procurar executivos de alto escalão nascidos no Brasil ou com fluência na língua portuguesa – ao contrário do que fez a Chevron. A nova percepção após Frade é de que ter porta-vozes com domínio do idioma faz toda a diferença na comunicação com as autoridades brasileiras e tem de ser analisado como item fundamental da boa relação com as autoridades locais.

Vigiar e nem sempre punir

O fato é que petroleiras e prestadoras de serviço ficaram muito preocupadas com o circo criado na responsabilização inicial dos fatos. O exagero das autoridades, algumas delas sem relação direta com o setor de óleo e gás, pode pode ser um peso extra em momentos de decisão  no dia da perfuração e em atividades do setor. Algumas tripulações estão apreensivas com a reação de autoridades ao episódio, que envolveu, inclusive, a esfera criminal.

Mesmo depois de a ANP comprovar a correta atuação da Transocean em Frade, as punições ao pessoal da sonda Sedco 706, que perfurava na área, foram mantidas. Aos embarcados, sobretudo aos sondadores, fica a impressão de que, mesmo que se faça certo, o castigo virá, cedo ou tarde. No caso dos expatriados, haverá sempre o risco de apreensão dos passaportes, como foi feito agora com executivos e funcionários da Chevron a da perfuradora.

Novos acidentes podem ocorrer – e provavelmente ocorrerão. E as chances de que isso aconteça com a Petrobras são razoáveis, tendo em vista que a petroleira brasileira detém a maior frota de unidades marítimas do país. Historicamente, contudo, a reação das autoridades costuma ser bem mais branda com a Petrobras em episódios envolvendo vazamentos de óleo tão ou mais graves do que Frade.

Assim como vem buscando fazer seu dever de casa e aprender com Frade, a indústria espera o mesmo do governo. Como irão agir as autoridades se fato semelhante ocorrer com a Petrobras? Será mantido o mesmo tom de punição prévia? A produção e as atividades da petroleira brasileira serão interropidas? São perguntas que precisam de respostas.

Equívocos   

Na avaliação do presidente do IBP, João Carlos de Luca, independente da situação, a visão de que a indústria é negligente é equivocada. ¨ É errada a percepção de que a indústria do petróleo é negligente e irresponsável. investimos pesadamente em segurança, prevenção e respostas a emergências . Presisamos tirar o melhor aprendizado de cada acidente para evitar a repetição de erros de qualquer tipo e de qualquer lado,¨ afirma o executivo.

É verdade que, passados cerca de seis meses do primeiro vazamento em Frade, o tom dos discursos vem abaixando, embora muito estrago já tenha sido feito sem que houvesse conclusões disponiveis das causas do acidente. A ANP, por exemplo, nas últimas apresentações e explanações feitas em Brasília tem sido mais cautelosa e ponderada em suas observações, já inserindo o risco natural da atividade em seus discursos.

A realidade é que as informações sobre as causas do acidente ainda são desconhecidas. A agência está finalizando seu relatório, mais já adiantou que a Transocean agiu como deveria. Enquanto isso a Chevron,junto com seus sócios Petrobras e SK, matém um grupo de trabalho pesquisando a questão ( veja a matéria a seguir).

A Chevron e a Petrobras têm trabalhando juntas sobretudo após a verificação das exsudações, ocorridas a 3 km de distância do ponto do primeiro acidente. Nesse caso, a Petrobras tem toda uma bagagem de informações úteis. Afinal, a petroleira brasileira vivenciou situação muito parecida em 2004 no campo de Marlim Sul, onde afloramentos naturais foram detectados do dia para a noite (ver matéria a seguir). Além disso a empresa tem bastante conhecimento sobre Frade, descoberto por ela em 1986 e ofertado a parceria na Rodada Zero, ainda nos tempos da Texaco, depois comprada pela Chevron.

Segundo fontes, a petroleira brasileira participou ativamente da decisão de suspender a produção em Frade. Em 15 de março, data em que o consórcio determinou o fechamento do campo, e um dia antes, praticamente toda a área de E&P da Petrobras estava empenhada nessa discussão, inclusive o próprio diretor, José Formigli.

¨Fechar um campo é uma decisão difícil para uma petroleira . No caso de Frade, isso representa uma perda de receita de US$ 8 milhões por dia¨, analisa uma fonte da indústria.

Os Planos da Chevron para recuperar o campo

Com  a produção de Frade paralisada desde meados de março, a Chevron iniciou os trabalhos para avaliar os problemas que enfrenta no campo . Além de buscar respostas sobre o que afinal se passou em novembro de 2011 e em março passado, os estudos vão definir os próximos passos e o destino da área.

A petroleira não tem razão parar desenvolver os trabalhos, mas corre contra o tempo,  já que suspendeu uma produção de cerca de 60 mil barris/dia. Desse total, 31 mil b/d (51,74%) pertecem à Chevron e são todo o óleo que a companhia produz no Brasil.

Já foi realizada uma sísmica rasa na área para mapear as estruturas geológicas na altura do primeiro vazamento. Especialistas ouvidos pela Brasil Energia concordam que esse trabalho é fundamental para tentar entender se existe alguma conexão entre falhas preexistentes no intervalo raso do campo e o incidente . É isso que deve se concentrar a primeira aposta da empresa, dizem os analistas.

O processamento e a interpretação dos dados estavam previstos para serem iniciados em meado de abril, de acordo com a ANP. Geralmente essas avaliações podem levar de dois a três meses. Nesse caso, porém ninguém arrisca um prazo.

Os trabalhos também podem ajudar a indentificar se o acidente de novembro tem relação com as exsudações que hoje atingem 48 pontos a cerca de 3 km do primeiro vazamento.¨ A partir desses dados teremos um cenário pelo qual será possível obter a exata causa do primeiro vazamento e a relação desse primeiro evento com o segundo ,¨ disse o chefe do Departamento de Segurança Operacional da ANP, Raphael Neves Moura, durante audiência pública na Câmara dos Deputados.

Mecânica da rocha

Nessa primeira etapa de trabalho, a Chevron também já coletou material sedimentar para estudos de mecânica da rocha. A pesquisa, que será feita em laboratório contratado pela petroleira, vai medir a resistência da rocha ao esforço.

Apesar de ser uma escolha da Chevron, o caminho natural é que esse estudo seja feito no Cenpes, da Petrobras. Afinal, a petroleira é sócia de Frade e foi ela que descobriu o campo em 1986.

Desde 1990 a Petrobras possui um laboratório para esse tipo de análise. O laboratório de Mecânica das Rochas (LMR) presta apoio às operações de fraturamento hidráulico e é hoje o mais bem preparado para esse tipo de estudo em todo Brasil.

Há ainda o Laboratório de Física das Rochas (LFR). Juntos, os dois laboratórios trabalham na caracterização mecânica das formações sedimentares.

A Chevron ainda está mantendo sensores de pressão no nível do reservatório de todos os poços produtores e injetores. Dados históricos desses poços estão sendo revisados, e a pressão atual dos reservatórios também está sendo monitorada.

Especialistas defendem mais pesquisas   

O Coordenador do Laboratório de Estratigrafia Quimica e Geoquimica da UERJ e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geologia, Egberto Pereira, defende a necessidade  de uma análise da composição isotópica dos óleos e dos biomarcadores de Frade. Realizar um amplo estudo de geológia marinha também é indicado, diz o professor. Além disso, uma revisita aos dados técnicos do campo seria importante nesse momento.¨É Preciso ver se as fraturas existentes já estavam ali  ou não. Se existe uma conexão entre essas estruturas¨, comenta ele.

Uma das precauções que a Chevron deve tomar é a realização de estudos para analizar se a rocha selante dos reservatórios não foi rompida com o evento ocorrido em novembro. Ou mesmo pelas técnicas de recuperação artificial, como a injeção de água e/ou gás.

Também é importante realizar uma sísmica 4D para analisar a movimentação do óleo dentro dos reservatórios – o que já está sendo planejado pela Chevron neste momento. Essa campanha pode ajudar a explicar o afundamento do solo na região. Uma das hipóteses para isso é que o óleo tenha sido acomodado de forma diferente da prevista com a explotação continua ou até mesmo com a ruptura da rocha selante.

¨É preciso saber se essa fratura é natural ou não. Temos de separar o que é acidente geológico do que é provocado¨, reforça o doutor e professor de Geológia da UnB, Carlos Jorge de Abreu. Antes de ir para a academia, Abreu foi funcionário da Petrobras por 23 anos, justamente na área de reservatórios.

Óleos diferentes             

Os primeiros estudos feitos pela petroleira americana indicaram que o óleo vazado em novembro de 2011 tem características químicas diferentes do óleo coletado em março. Análises indicaram óleo entre 14º e 15º API na área do último afloramento. Em novembro, o óleo que vazou tinha API varando entre 15,5º e 22,5º.

¨O segundo evento é diferente. Atípico. Não há evidências técnicas e científicas que possam relacionar os dois eventos¨, afirma o diretor Corporativo da Chevron no Brasil, Rafael Jaen Williamson.

Frade tem três reservatórios empilhados verticalmente, isolados e com idades do oligoceno e mioceno, depositados em sistemas de talude mar adentro. Esses reservatórios são o N570 (mioceno), N560 (mioceno) e o N540/N545 (oligo-mioceno). Essa pode ser a causa da diferença entre o API dos óleos.

Caso nada trivial  

Incertezas à parte, o que é ponto pacífico entre indústria e especialistas é que apenas após a conclusão desses e de outros estudos será possivel traçar um planejamento para a retomada da produção em Frade. A própria presidente da Petrobras, Graça Foster, técnica que trabalhou durante anos na área de perfuração, admitiu recentemente que o acidente de Frade não é trivial. Ou seja, não foi à toa que a Chevron um grupo de trabalho, no qual também participam representantes da  Petrobras e da própria ANP, para analisar e estudar as melhores saídas para o caso.

A petroleira, porém, vem encontrando dificuldades para trazer profissionais do exterior para contribuir nos estudos. Tudo por conta das ações movidas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que conseguiram, inclusive, reter passaportes de funcionários da petroleira e da Trancocean, dona da sonda Sedco 706, que teve o kick em novembro do ano passado na perfuração do poço que pode ter originado o vazamento.

Só o tempo dirá quando – e se – Frade voltará a produzir. O que é crucial é que o conhecimento adquirido seja disseminado, para que incidentes semelhantes sejam evitados ou rapidamente debelados, quando evitá-los for impossível.

As lições de Macondo     

No vazamento de 4,9 ,milhões de barris de de óleo em Macondo, no Golfo do México, a BP, depois de patinar em um primeiro momento, adotou total transparência em relação às informações disponíveis. Desde a conclusão do relatório sobre as causas do acidente a petroleira vem ativamente compartilhando o aprendizado acumulado com o episódio.

Imediatamente após a apresentação do relatório nos EUA, executivos da BP do Brasil e do exterior apresentaram as conclusões do acidente de Macondo às autoridades brasileiras. A iniciativa envolveu apresentações técnicas a representantes dos ministérios de Minas e Energia e Meio Ambiente, da ANP, do Ibama, da Marinha e até mesmo da Petrobras. Os encontros foram agendados pela própria BP e realizados em setembro do ano passado.

Os relatórios da petroleira inglesa sobre Macondo apontaram cinco principais áreas de aprendizado. Os focos foram direcionados aos temas: prevenção, poços de alívio, capeamentoe contenção, reporte ao vazamento e gestão de crise.

Entre as recomendações sugeridas pelo governo americano e pela International Association of Oil & Gas Producers (OGP) está  a sugestão de que todo projeto de poço seja certificado e avaliado por mais de uma certificadora e empresa independente (C.S).

Marlim Sul teve exsudação em 2004    

As exsudações enfrentadas pela Chevron em Frade, na Bacia de Campos, não são as primeiras a tirar o sono de executivos do setor no petróleo no Brasil. Em 2004, a Petrobras passou por problema semelhante no campo de Marlim sul, também em Campos.

Após realizar análises semelhantes às que estão hoje sendo feitas pela Chevron em Frade, os técnicos de E&P da Petrobras concluíram que, para recuperar a drenagem de óleo do reservatório que apresentou vazamento, seria necessária a perfuração de seis novos poços horizontais- três produtores e três injetores – nos reservatórios vizinhos dos blocos 3 e 6, entre 10km e 15 km de distância da unidade de produção.

O controle da exsecudação e a retomada da produção de Marlim Sul exigiram  investimentos adicionais de R$ 260 milhões da Petrobras. Os resultados foram positivos.

Todo esse trabalho valeu  a pena . Afinal, atualmente, Marlim Sul é o maior produtor de óleo e gás do Brasil. Segundo o Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural da ANP relativo a fevereiro – o último divulgado pela agência até o fechamento desta edição -, o campo produziu 352,8 mil barris de óleo equivalente (BOE) por dia, sendo 313 mil b/d de óleo e 6,4 milhões de m³/d de gás natural. (F.M.)

Os Erros…

Da Chevron

A empresa falhou – e feio – na tarefa de reportar o primeiro vazamento em Frade e torná-lo público e transparente à sociedade e ao governo do Brasil. Num primeiro momento, a petroleira deu informações desencontradas sobre a quantidade de óleo vazada, bem como no desenrolar  do caso.

O escritório da petroleira no Brasil não tinha autonomia para divulgar os detalhes do acidente. Quando recebeu isso de sua matriz, o cenário ficou ainda pior: demonstrou despreparo e falta de percepção quanto aos desdobramentos da questão.

Das autoridades    

Algumas autoridasdes governamentais, sem o devido conhecimento técnico, usaram o acidente como palco para se projetarem na mídia e entre seus pares. Levar o vazamento para a esfera criminal, quando existe órgãos de regulação e legislação apropriada para lidar com a questão, foi uma demonstração de desgoverno. Apreender passaportes de profissionais da indústria como se criminosos fossem é incompreensível. Imposssivel  ainda enxergar qualquer coerência no pedido do Ministério Público Federal de US$ 2o bilhões contra a Chevron, em um acidente do qual não se tem notícias de impacto na fauna ou na atividade de pesca.

O secretário do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Minc, defendeu abertamente a suspensão das atividades da Transocean  no Brasil – o que significaria a interrupção dos trabalhos de dez sondas, das quais, oito sob operação da Petrobras. Minc, recordando que a prestadora de serviço é também proprietária da sonda que afundou em Macondo, chegou a mencionar que a Transcean seria ¨azarada¨ou ¨incompetente¨.

Na longa lista de suposições e acusações à Chevron, surgiram teorias  de pressão elevada na perfuração. Também chegou-se a falar que a petroleira  teria alterado, à revelia, o traçado do poço com foco no pré-sal. Houve desconhecimento ainda das atribuações e responsabilidades dos concessionários e do prestador de serviço, reguladas no contrato de concessão.

Mesmo sem nenhum dano comprovado à fauna ou à flora marinha, a Polícia Federal e o Ministério Público arrolaram ao processo não apenas a Chevron e a Transocean como também seus funcionários. Recentemente, até a Federação Única dos Petroleiros (FUP) saiu a campo e entrou com ação civil, solicitando o cancelamento da concessão, da Chevron no Brasil.

A título de comparação com um país onde é intensa a atividade offshore, nos EUA a guarda costeira funciona como o primeiro poder em caso de derrames. No Brasil o concessionário tem de dar ciência do fato a três órgãos distintos: ANP, Marinha (Capitania dos Portos) e Ibama..(C.S.)                 

Fonte: Revista Brasil Energia, ano 31 – maio 2012 – n°378 – www.brasilenergia.com.br

 


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