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Os filhos do petroleiro Mário Lima descrevem, no documento abaixo, o sofrimento da família com a perseguição e prisão do sindicalista, durante o período da ditadura militar. A homenagem de Edmo e Idma foi escrita no ano passado, mas continua valida, ainda mais neste momento de tanta insanidade política onde o presidente eleito pede para ministro militar divulgar nota de comemoração pela passagem de uma data inicia um período triste de nossa história onde jovens idealistas foram torturados barbaramente por covardes escondidos atrás das fardas que deveriam representar honra bravura e amor a pátria. Sobre protestos de combater uma revolução comunista insistente tão real quanto bicho papão, cunhou uma horda de políticos corruptos que até hoje nos infelicita.

Leia o documento:

Ditadura Militar não se comemora, repudia-se

Meus pais tiveram 5 (cinco) filhos, 4 (quatro) filhos nasceram anos antes do golpe militar de 1964, morávamos no bairro da Liberdade, aqui em Salvador.

Após a deflagração do golpe militar a vida da minha família, assim como de muitas outras famílias brasileiras, virou um inferno.

Meu pai, Mario Lima, foi cassado (perdeu os mandatos sindical e parlamentar), demitido da Petrobrás, preso várias vezes e torturado pela repressão militar.

Com receio de que algo de mal acontecesse com a minha mãe Ieda, e os 4 filhos, meu pai nos tirou de Salvador, partimos para o interior do Paraná, na cidade de Londrina, onde nasceu a minha irmã caçula, Gilvana.

Não podíamos ficar muito tempo na mesma cidade e moramos ainda em São Bernardo, no interior de São Paulo e na cidade do Rio de Janeiro. Em plena Copa de Mundo de 1970, meu pai resolve retornar a Salvador, cansado de perambular pelo País, sem emprego fixo, com muitas dificuldades para sustentar todos nós, optou em voltar para a Bahia, mesmo correndo o risco de ser novamente preso pelos militares, o que acabou acontecendo.

Não entendíamos o porquê daquele vai e vem  e o sofrimento com uma vida de privações (o papai Noel nunca visitou nossa casa), mas a criança tem uma incrível capacidade de sorrir, mesmo com pouco, um futebol no campinho de barro ou um jogo de argolas que Idma ganhou na escola, foram raros momentos de alegria, pra mim e minha irmã, nos tempos de  angústias e incertezas.

Meu pai precisou da ajuda dos meus tios e avós, para acolher minha mãe e meus irmãos, não tínhamos nada, a não ser as malas surradas e algumas roupas e calçados.

Durante alguns meses, ficamos separados mais uma vez, posteriormente, meu tio Eury, alugou um imóvel e reuniu a família, este apartamento ficava próximo da  Casa de Detenção, no Santo Antônio, o que facilitava as visitas ao nosso pai (novamente preso), nos finais de semana.

Mario Lima, faleceu em 2009, aos 73 anos de idade, os anos de cárcere, as celas úmidas/imundas e as torturas físicas e psicológicas abreviaram a sua vida.

A sua morte não apagou da nossa memória, o sofrimento físico e psicológico que ele e todos nós fomos vítimas, permanecem tão claros como os raios de sol avistados no terraço da Casa de Detenção, (o seu último e mais ameno cárcere, os presos políticos não ficavam em celas), antes de ser definitivamente posto em liberdade.

Quais as razões destas perseguições? Os ideais de democracia, a luta pela soberania nacional, as reformas de base que trariam benefícios para os trabalhadores e menos favorecidos, um não à exploração internacional.

Se ele ainda estivesse entre nós, certamente se indignaria com a manchete dos jornais, “O Presidente da República, não considera o 31 de março de 1964, como um golpe militar.”

Para nós esta declaração insana, não tem o condão de alterar a história, e o operário Mário Lima (nosso pai) estará para sempre entre os maiores brasileiros que lutaram pela democracia, liberdade e justiça social no Brasil, no século XX.

Ele jamais teria ajudado a eleger no Brasil, um lacaio que corteja a bandeira americana, que idolatra torturadores, que prega a cultura das armas/violência, defende os interesses do capital financeiro e propõe uma reforma da previdência contra os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, aposentados, pensionistas e beneficiários da seguridade social.

 Ditadura não se comemora, repudia-se.

Edmo Del Rei Lima

Idma Del Rei Lima de Oliveira

Salvador, 31 de março de 2019


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