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A trabalhadora petroleira Daniela Ribeiro, mãe de Giovana, uma jovem com Síndrome de Down, somente conseguiu matricular a filha em uma escola particular de Salvador depois de recorrer ao Ministério Público e ao Conselho Estadual de Educação, para conseguir a vaga. O fato aconteceu em 2013, Giovana tinha 13 anos. Antes de matricular a filha, Daniela já tinha percorrido outras sete escolas da capital baiana.

Segundo a Lei da Inclusão, prevista desde 2009, os colégios são obrigados a acolher os alunos com deficiência. Mesmo assim, muitos pais encontram dificuldades para matricular os filhos na escola regular, seja particular ou pública. Assim como Daniela, outros pais têm recorrido ao Ministério Público para garantir a vaga dos filhos deficientes na escola regular.

A Petrobrás, por meio do Programa de Assistência Especial (PAE), oferece recursos para a prestação de assistência especializada em habilitação, reabilitação e educação para pessoas com transtorno ou deficiência.

Entretanto, o direito à educação inclusiva de crianças e jovens com deficiência está sendo ameaçado. A nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), por meio do Decreto 10.502/2020, lançada em setembro pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido), propõe que classes especializadas conduzam a aprendizagem de estudantes com deficiência.

Na prática, a nova PNEE retrocede mais de 30 anos, trazendo de volta a segregação das pessoas com deficiência. Segundo o Ministério da Educação, o objetivo é fazer a educação especial chegar a mais de 1,3 milhão de pessoas. Isso inclui alunos com deficiência, autistas e estudantes considerados superdotados. Determina, ainda, que as famílias poderão escolher em que instituição de ensino a criança pode estudar. Estabelecendo desde escolas regulares inclusivas, às especiais ou bilíngue de surdos. Mas, na prática, essa escolha tende a não existir, pois as escolas, geralmente, não acolhem esses alunos. Como aconteceu com a mãe de Giovana que precisou entrar com denúncia no Ministério Público para garantir a vaga da filha na escola regular.

O Decreto 10.502 fere ainda outras legislações que trazem diretrizes para a educação inclusiva. Entre elas, estão o Estatuto da Pessoa com Deficiência, conhecido ainda como Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), e a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Esta última tem força de lei no Brasil porque foi oficializada por meio do decreto legislativo 186/2008 e pelo decreto 6949/2009.

A Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, manifestou publicamente repúdio ao texto do Decreto Nº 10.502.  Para o presidente da Federação, Antônio Carlos Sestaro, 68 anos, “nas doces palavras do Decreto está o veneno amargo da exclusão, está a manutenção de uma sociedade preconceituosa que discrimina. Somente com a convivência das pessoas com deficiência é que nós teremos uma sociedade inclusiva. Eu conclamo aos pais de estudantes com ou sem deficiência para que nos ajudem a combater esse decreto”, apela Sestaro, que é pai de Samuel, um jovem de 30 anos com síndrome de Down. Hoje Samuel frequenta a faculdade.

Para a psicóloga, pedagoga e doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Isabel Rodrigues, a PNEE tem por trás “uma disputa por recursos” entre “instituições segregadoras como são as escolas especiais”.

Segundo a psicóloga e pedagoga, “sem dúvida uma das intenções da PNEE é destinar parte dos recursos a instituições que antes recebiam pela via da saúde, da assistência social e da educação os recursos para existirem. E a partir de 2008, com a proposta da educação inclusiva, elas perderam grande parte do recurso da educação. Desde então há algum tipo de pressão para se retornar a um nível de financiamento”. Mas, muitas dessas escolas, mesmo com financiamento, não oferecem serviços educacionais de qualidade.

O Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2019 identificou um total de 1.250.967 educandos com necessidades especiais na educação básica do país. Desse total, 87% estão em escolas convencionais e em turmas comuns, enquanto 13% estão matriculados em instituições ou classes especiais.

#EscolaEspecialNaoÉInclusiva

Além da Federação Brasileira de Síndrome de Down, outras instituições e especialistas criticaram e repudiaram o Decreto 10.502/2020 do governo Bolsonaro. Esses grupos defendem a manutenção dos alunos com deficiência nas escolas regulares porque nelas se sentem mais incluídos socialmente e melhoram o seu desempenho cognitivo quando têm a oportunidade de estar em um ambiente escolar igual ao de todo mundo. Nessa mesma sintonia, familiares de estudantes com deficiência relatam avanços no desenvolvimento desses educandos quando eles são inseridos numa escola convencional, o que não ocorre quando se trata das unidades especiais de ensino.

Por conta disso, muitos familiares estão protestando na internet desde o dia de publicação do decreto 10.502/2020. Na mobilização, eles chamaram a atenção do país por meio da hashtag “#EscolaEspecialNaoÉInclusiva”. Paralelamente a essa articulação social contra a proposta, no Congresso Nacional, parlamentares apresentaram vários Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) que tentam suspender os efeitos do texto do decreto de Bolsonaro.

 


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