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Um estudo da Fiocruz, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, oferece parecer conclusivo de que para os casos de contaminação por Covid-19, a Petrobrás deve emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Os registros, inclusive, teriam impacto direto na Taxa de Acidentes Registráveis (TAR) da companhia este ano, índice utilizado como critério pela International Oil and Gas Producers (IOGP) para comparar o desempenho das empresas do setor, com objetivo de intensificar a concorrência internacional.

A TAR tem grande importância econômica para as petroleiras, a ponto de a Petrobras ter estabelecido o objetivo de manter a taxa abaixo de 1 para alcançar o mesmo patamar das melhores empresas de óleo e gás. No Plano Estratégico 2030 e no Plano de Negócios e Gestão da companhia para o período 2017-2021, a taxa foi inclusive considerada entre os principais indicadores.

Em 49 páginas, o estudo, assinado por médicos, epidemiologistas e pesquisadores da Fiocruz, evidencia que “a relação da Covid-19 com o trabalho (ou seja, o nexo causal) possui natureza epidemiológica” e que “o diagnóstico da Covid-19 em petroleiros é presumidamente relacionado ao trabalho”.

No documento, os pesquisadores mostram a gravidade dos números de trabalhadores contaminados no Sistema Petrobrás e as divergências entre os dados divulgados pela empresa e o Ministério de Minas e Energia (MME).  As federações dos sindicatos dos petroleiros, também consultadas no estudo, têm denunciado a omissão da empresa que esconde o número de trabalhadores infectados e até mesmo óbitos. Com base no relato dos petroleiros, as federações apontam a negligência dos gestores na prevenção e no combate à doença em todas as unidades do país, inclusive no embarque e desembarque dos petroleiros que trabalham nas plataformas que são o objeto do estudo da Fiocruz.

Ao comparar o número de infectados com o total de trabalhadores da estatal, o estudo revela que a frequência dos casos de Covid-19 (expressa na incidência/100 mil) entre os petroleiros é comparativamente maior do que a frequência na população brasileira.

Entre 11 de maio e 14 de setembro, segundo o Boletim de Monitoramento Covid-19 publicado pelo Ministério de Minas e Energia, a Petrobras registrou o total de 2.065 casos apenas entre os trabalhadores próprios, já que a estatal deixou de informar em maio as contaminações ocorridas entre os seus contratados terceirizados, o que elevaria expressivamente o número. Levando em conta os 46.416 empregados próprios, a incidência de covid-19 na estatal é de 4.448,9 casos/100 mil, o que corresponde a uma incidência de mais do que o dobro da registrada em todo Brasil (2.067,9/100 mil). Corresponde também a 3,16 vezes a taxa no estado do Rio de Janeiro (1.406,4), a 2,29 vezes a de São Paulo (1.945,5) até esta mesma data (14/09)”.

No mesmo período, os Boletins do MME informam um total de três mortes de trabalhadores próprios na empresa até 14 de setembro. No entanto, as federações dos sindicatos dos petroleiros no país, até 17 de agosto de 2020, registraram um total de 19 mortes por Covid-19 entre os trabalhadores diretos e terceirizados no Sistema Petrobras. Desse total, a Bahia registrou a morte de um trabalhador da Halliburton, segundo apuração do Sindipetro-BA. Ele era do Rio de Janeiro e estava a serviço da empresa. O rapaz tinha aproximadamente 36 anos, de prenome Jonas e faleceu no Hospital Aeroporto, em Salvador.

Embora o estudo da Fiocruz investigue somente as contaminações por Covid-19 a bordo nas plataformas da empresa, a contribuição é fundamental para a “investigação da caracterização do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de óleo e gás” em outras unidades do Sistema Petrobrás. Os pesquisadores apontaram, também, que a negativa da Petrobrás em admitir a relação da doença com o trabalho, se recusando a emitir Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para os petroleiros infectados, inclusive os que morreram em consequência da doença, tem motivações econômicas.

A empresa aumentou a produção de petróleo, em relação ao ano passado em todos os meses deste ano, mesmo em plena pandemia, segundo levantamento da Fiocruz com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Atualmente, a empresa registra o mesmo nível de produção de janeiro (2,9 milhões de barris de óleo equivalente/dia), quando ainda não havia restrições impostas pela pandemia como isolamento social.

“Esses resultados sugerem que, durante o avanço da pandemia com crescimento de casos entre os petroleiros, prevaleceram na política e gestão da empresa as decisões de mercado e não apenas a preservação da atividade produtiva essencial ao abastecimento da sociedade”, concluiu a Fiocruz, ressaltando que as decisões da companhia “ampliam as demandas operacionais e fundamentalmente as exigências sobre os trabalhadores para alcançar esses resultados produtivos e econômicos com aumento dos dias embarcados e menor POB (Pessoas a Bordo da Instalação, na sigla em inglês)”.

Em nota, a Petrobrás contestou o parecer da Fiocruz e diz que a presunção de que a Covid-19 seja doença ocupacional para os trabalhadores da indústria de petróleo e gás não encontra amparo na legislação acidentária vigente, que não permite presunção do nexo causal em casos de doenças endêmicas. “Sendo assim, a Petrobras considera indevida a emissão de CAT em toda e qualquer situação de contaminação de empregados pela doença”.

É bom lembrar que em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que casos de contaminação de trabalhadores pela Covid-19 podem ser enquadrados como doença ocupacional. No entanto, esse reconhecimento não é automático. O funcionário precisa passar por perícia no INSS e comprovar que contraiu a doença no trabalho.

Veja aqui o estudo realizado pela Fiocruz

(Com informações da FUP, FNP, Sindipetro-BA e AEPET)


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