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Por Fernando Alcoforado*

Este é o resumo do artigo de 7 páginas que tem por objetivo apresentar como o Brasil poderá conquistar sua verdadeira independência para se libertar de sua secular dependência econômica desde o período colonial até a era contemporânea. O Brasil completa 203 anos de sua independência do domínio colonial português e não há motivos para comemoração porque o País continua dependente economicamente do exterior.  Historicamente, o Brasil se defrontou com duas formas de dependência: a primeira, dependência do império português, do imperialismo britânico e do imperialismo norte-americano de 1500 até 1990; e, a segunda, dependência do sistema capitalista globalizado a partir de 1990 até a era contemporânea.  De 1500 a 1810, o Brasil foi dominado pelo império colonial português, de 1810 até 1929 pelo império britânico, de 1945 até 1990 pelo imperialismo norte-americano e de 1990 até o presente momento pelo capitalismo globalizado.  Apenas de 1930 a 1945, durante o governo Getúlio Vargas, não houve ingerência externa no Brasil em seu desenvolvimento porque as grandes potências capitalistas estavam ocupadas tentando superar a grande depressão econômica mundial iniciada em 1929 e, logo após, se envolveram na 2ª Guerra Mundial de 1939 até 1945.

A proclamação da Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822 diferiu da experiência dos demais países das Américas porque não apresentou as características de um típico processo revolucionário nacional-libertador que só se manifestou efetivamente em 2 de julho de 1823 quando as tropas portuguesas foram expulsas da Bahia e do Brasil graças à luta revolucionária do povo baiano. A luta heroica do povo baiano em 1823 foi motivada pelos ideais do liberalismo e das grandes revoluções de fins do século XVIII. Apesar da luta heroica do povo baiano em 1823, a Independência do Brasil de Portugal foi uma “independência sem revolução econômica e social” porque não houve mudanças na base econômica do País. O Estado que nasceu da Independência do Brasil manteve o detestável latifúndio que perdura até hoje e intensificou a não menos detestável escravidão que durou mais de 300 anos até 1888 fazendo desta o suporte das estruturas econômicas herdadas do período colonial.

A Independência do Brasil foi, portanto, uma “independência sem revolução” porque não houve mudanças na base econômica da nação. A Independência do Brasil não foi uma conquista do povo brasileiro e sim concedida por Portugal e paga pelo governo brasileiro a este país que o colonizou por 322 anos. A Independência do Brasil em 1822 foi, portanto, uma falsa independência. O fim do período imperial em 1889, com a Proclamação da República no Brasil, não resultou da luta do povo brasileiro e sim de um golpe de estado patrocinado pelo Exército com o apoio das oligarquias econômicas que dominavam o País no final do século XIX. A República que nasceu de um golpe de estado manteve o modelo econômico agrário-exportador que privilegiava os interesses das oligarquias desde 1500 com o detestável latifúndio herdado do período colonial e manteve a subordinação do País em relação à Inglaterra que havia desde 1810 após a chegada da família real portuguesa ao Brasil. A dominação britânica de 1810 até 1929 e o modelo agrário-exportador, que se estruturou com base no latifúndio e no trabalho escravo durante o período colonial, se constituíram em gigantesco entrave ao desenvolvimento do Brasil.

A primeira tentativa de promover a emancipação econômica do Brasil com a economia nacional não dependente do mercado mundial, não subordinado ao capital internacional e às grandes potências capitalistas foi encetada pelo presidente Getúlio Vargas que assumiu o poder com a denominada revolução de 1930 que levou ao fim a “República Velha”, que existiu de 1889 a 1930, imprimindo a seu governo uma política de caráter nacionalista de 1930 a 1945. De 1930 a 1945, não houve ingerência externa no Brasil em seu desenvolvimento por parte das grandes potências porque todas elas estavam empenhadas na superação da depressão econômica mundial que ocorreu em 1929 e estavam envolvidas na 2ª Guerra Mundial de 1939 a 1945. Getúlio Vargas baseou sua administração nos preceitos do populismo, nacionalismo e trabalhismo. A política econômica passou a valorizar o mercado interno que favorecia o crescimento industrial e, consequentemente, o processo de urbanização.

O centralismo do período de governo Vargas abriu o caminho à completa unificação do mercado interno brasileiro, o que era tanto mais importante quanto o elemento motor da economia passava a ser a atividade industrial. Foi graças a esse impulso centralizador que o Brasil se dotou definitivamente com um mercado interno integrado e capaz de autogerar o seu crescimento. Até 1930, era insignificante a participação da indústria na economia brasileira. A crise econômica de 1929 e a Revolução de 1930 criaram as condições para o início do processo de ruptura do Brasil com o passado colonial, a decolagem do processo de industrialização do país e a superação de sua dependência de capitais externos e do mercado exportador. As forças políticas que assumiram o poder no Brasil em 1930 apoiaram e implementaram um projeto de industrialização com o objetivo de retirá-lo do atraso econômico e impulsioná-lo rumo ao progresso com a implantação de um parque industrial próprio, nos moldes das nações europeias e dos Estados Unidos. Foi a primeira vez na história do Brasil que um governo fez semelhante opção.

De volta ao poder, no período 1951/1953, Getúlio Vargas implementou uma série de projetos de infraestrutura abrangendo a modernização de vias férreas, portos, navegação de cabotagem, geração de energia elétrica, etc. Foram adotadas medidas para superar as disparidades regionais de renda, isto é, para melhor integrar o Nordeste ao restante da economia nacional e para alcançar a estabilidade monetária. Foram criados, também, o BNDES e a Petrobras. A política nacional desenvolvimentista adotada por Getúlio Vargas feria os interesses das classes dominantes do Brasil associadas ao imperialismo norte-americano. O atentado, que resultou na morte do major da Aeronáutica Rubens Vaz e feriu o jornalista e opositor político Carlos Lacerda, comandado pelo chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas, Gregório Fortunato, desencadeou uma crise política que culminou no suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954. Por não aceitar sua deposição pelos militares em 1954, o presidente Vargas suicidou-se, tendo sua atitude representado, também, o ato final do primeiro governante do Brasil que pautou sua ação em defesa da soberania nacional.

A segunda tentativa de promover a emancipação nacional com o desenvolvimento econômico do Brasil não dependente do mercado mundial, não subordinado ao capital internacional e às grandes potências capitalistas foi assumida pelo presidente João Goulart, que era um discípulo de Getúlio Vargas, quando, em 1961, procurou encetar a mesma política populista e nacionalista ao implementar as denominadas Reformas de Base que reuniam iniciativas que visavam as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Incluía também oferecer o direito de voto para analfabetos e às patentes subalternas das Forças Armadas. Por adotar uma política populista e nacionalista, João Goulart foi deposto do poder em 1964. O golpe de estado de 1964 que derrubou o governo João Goulart foi uma contrarrevolução promovida pelas classes dominantes do Brasil com o apoio do governo dos Estados Unidos porque foi uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical do Brasil e de emancipação nacional durante o governo João Goulart.

Os governantes que sucederam a Getúlio Vargas e a João Goulart adotaram políticas que aumentaram sua dependência política, econômica e tecnológica em relação ao capital internacional. O governo Eurico Dutra (1946-1950) que sucedeu o governo de Getúlio Vargas em 1946 tornou o Brasil subordinado dos Estados Unidos cuja aliança com o governo norte-americano repercutiu em ações políticas de natureza autoritária no plano interno. O governo Juscelino Kubitschek (1955 a 1960) que sucedeu o governo Vargas após 1954 contribuiu para a desnacionalização da economia nacional quando o capital estrangeiro assumiu o comando do processo de industrialização do Brasil e a indústria nacional ficou relegada a sua própria sorte ao sofrer a concorrência dos grupos externos. A empresa brasileira que liderou o processo de industrialização do Brasil durante o governo Vargas foi desbancada pelo capital estrangeiro que passou a assumir, progressivamente, o controle dos ramos mais dinâmicos da economia brasileira.

Os governantes militares que assumiram o poder com o golpe de estado em 1964 sucedendo ao governo de João Goulart, implantaram uma ditadura que durou 21 anos (1964 a 1985) que, além de desmantelarem as instituições democráticas existentes no País, cassaram mandatos de parlamentares de oposição, torturaram e levaram à morte centenas de democratas e militantes de esquerda, mantiveram a política econômica do governo Juscelino Kubitschek de subordinação da economia brasileira ao capital internacional. O modelo de desenvolvimento capitalista dependente de tecnologia e capitais externos inaugurado pelo governo Juscelino Kubitschek em 1955, que atingiu o auge na década de 1970 durante os governos militares, se esgotou no início dos anos 1980. As décadas de 1980 e de 1990 marcam a mais longa e grave crise do Brasil em sua história. Fatores internos e externos contribuíram para que houvesse mudanças no aparato institucional existente no Brasil. Internamente, a crise financeira do Estado, que fazia com que ele se tornasse incapaz de atuar como investidor, a insuficiência de poupança privada interna, a cessação do financiamento de bancos internacionais e a redução de investimentos estrangeiros diretos no Brasil a partir da crise da dívida externa na década de 1980 colocaram em xeque o modelo de desenvolvimento capitalista dependente financeira e tecnologicamente do exterior até então em vigor.

Esta lamentável situação atingiu maior gravidade a partir de 1990 quando foi adotado o modelo neoliberal de subordinação do País ao capitalismo globalizado. O modelo econômico neoliberal imposto pelo capitalismo globalizado teve sua implantação iniciada no Brasil no governo Fernando Collor em 1990, quando foi dado início ao processo de desmonte do aparato institucional existente resultante do modelo nacional desenvolvimentista da Era Vargas e do modelo de desenvolvimento capitalista dependente do governo Kubitschek e dos governantes do regime militar no Brasil que se caracterizavam pela ativa participação do governo na condução do processo de desenvolvimento. Com o modelo neoliberal, o governo brasileiro abdicou deste papel transferindo-o para as forças do mercado comandadas pelo capitalismo globalizado. O modelo econômico neoliberal busca promover o desenvolvimento econômico apoiado, exclusivamente, em investimentos privados nacionais e estrangeiros, inclusive em infraestrutura que sempre foi uma área reservada para os investimentos governamentais.

A partir de 1990, quando foi adotado o modelo neoliberal de subordinação do Brasil ao capitalismo globalizado, aumentaram as vulnerabilidades econômicas do Brasil durante os governos Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer que se aprofundaram ainda mais com o governo Jair Bolsonaro, que assumiu o poder em 2019. O governo Jair Bolsonaro radicalizou ainda mais na adoção do modelo econômico neoliberal que levou o País a maior subordinação ao capitalismo globalizado e, particularmente, ao imperialismo norte-americano. O governo Lula, que sucedeu ao desastroso governo Bolsonaro, recebeu a economia brasileira arruinada pelos desmandos promovidos pelos governos Temer e Bolsonaro e com a economia nacional extremamente dependente de capitais externos, de tecnologia externa, dos mercados de exportação e das importações oriundas de vários países.

Os problemas econômicos atuais enfrentados pelo Brasil resultantes de sua dependência de capitais externos, de tecnologia externa, dos mercados de exportação e das importações oriundas de vários países agravada pelo tarifaço do governo Trump dos Estados Unidos requer que o governo Lula adote políticas econômicas, que contribuam para fortalecer a economia nacional, reduzir a dependência econômica externa atual e assegurar a independência do Brasil, as quais estão descritas a seguir:

  1. Envidar esforços para elevar o nível da poupança governamental e do setor privado do Brasil para aumentar os investimentos nacionais visando não depender ou depender o mínimo possível de capitais externos para investimentos.
  2. Promover articulação entre o governo federal e os setores produtivos do Brasil visando o desenvolvimento do mercado interno.
  3. Promover o fortalecimento da indústria nacional com a oferta de financiamento e concessão de incentivos fiscais.
  4. Desenvolver a indústria de bens de capital nacional para torná-la competitiva de forma permanente no mercado internacional.
  5. Modernizar a indústria brasileira com sua inserção na indústria 4.0 incentivando a realização de investimentos relevantes e de capacitação intensiva de gestores, engenheiros, analistas de sistemas e técnicos nas novas tecnologias, além de parcerias e alianças estratégicas com entidades de outros países parceiros.
  6. Realizar investimentos maciços na educação para qualificação de recursos humanos com foco em tecnologia.
  7. Reduzir e eliminar a dependência tecnológica do Brasil investindo fortemente em pesquisa e desenvolvimento, educação e inovação em setores estratégicos
  8. Investir em infraestrutura própria para fortalecer a pesquisa e o desenvolvimento de soluções tecnológicas nacionais.
  9. Desenvolver políticas públicas que incentivem a inovação e a produção tecnológica dentro do país e o fortalecimento das universidades e centros de pesquisas do Brasil.
  10. Fortalecer a indústria nacional, a promoção de empresas locais e a colaboração entre universidades, empresas e governos para construir uma base tecnológica mais sólida e autônoma.
  11. Evitar que o sistema produtivo do País continue bastante dependente dos mercados externos de exportação para evitar que o Brasil volte a ser prejudicado por decisões que sejam tomadas por governantes de países com os quais o Brasil mantem relacionamento comercial.
  12. Buscar novos mercados para colocação dos produtos exportáveis pelo Brasil para compensar a perda do mercado dos Estados Unidos devido ao tarifaço do governo Trump.
  13. Desenvolver o sistema produtivo do Brasil para atender prioritariamente o mercado interno para ficar menos dependente do mercado exportador.
  14. Reduzir os gastos com importações, adotando uma política substitutiva de importações com o incentivo à implantação de indústrias que substituam importações de insumos e produtos com financiamento e concessão de incentivos fiscais para assegurar a autossuficiência nacional.
  15. Promover a abertura seletiva da economia brasileira para proteger a indústria nacional da competição predatória de insumos e produtos importados.

É chegado o momento de o Brasil conquistar sua verdadeira independência. Isto depende da ação do governo Lula e, também, das forças vivas da nação que precisam se mobilizar nesta direção. Basta de dependência externa secular.

* Fernando Alcoforado, 85, é associado da AEPET-BA, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona.

Assista aqui o vídeo

 


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