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Por Fernando Alcoforado*

Este é o resumo do artigo de 8 páginas que tem por objetivo apresentar as origens do conflito entre os povos judeu e palestino, o processo de usurpação do território da Palestina pelos judeus, a constituição do Estado de Israel, o genocídio praticado pelo governo israelense contra o povo palestino e como construir a paz na região. O conflito entre os povos judeu e palestino teve início quando o nacionalismo judaico, que tomou o nome de sionismo, decidiu construir na Palestina o lar nacional judaico. Esta escolha era natural e particularmente mobilizadora, por causa da ligação do judaísmo à Palestina e da atração que ela exerce mesmo sobre muitos judeus que não são religiosos ou originários desta região. A 1ª Guerra Mundial teve consequências decisivas para a Palestina. A derrota do Império Otomano (atual Turquia), aliado da Alemanha derrotada na 1ª Guerra Mundial (1914-1918), que exercia a dominação sobre a Palestina, teve consequências decisivas para o futuro desta região. Após o conflito mundial, foi criado, pelo artigo 22 do Pacto da Liga das Nações a 28 de junho de 1919, o sistema dos Mandatos que se destinava a determinar o estatuto das colônias e dos territórios que se encontravam sob o domínio das nações vencidas. O Mandato para a Palestina sob a responsabilidade do Reino Unido foi aprovado pelo Conselho da Liga das Nações em 24 de julho de 1922.

A usurpação do território da Palestina começou quando o Reino Unido que exercia o Mandato para a Palestina deixou de considerar como objetivo levar à plena independência a população que então a habitava, isto é, a população palestina. Ao invés disso, promoveu a criação de um lar nacional judaico na Palestina, isto é, a criação de um estado judaico com gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda espalhada pelo mundo. A Grã-Bretanha, potência hegemônica na época, prometeu à Federação Sionista judaica que faria todo o possível para o estabelecimento de “um lar nacional para o povo judeu” na Palestina com a chamada Declaração Balfour. O território que os sionistas pretendiam para nele estabelecer o seu estado era bastante mais vasto do que a Palestina. Abarcava também toda a parte oeste da Transjordânia, o planalto do Golã e a parte do Líbano ao sul de Sidão. O obstáculo que impediu o processo da independência do povo da Palestina foi, portanto, o privilégio dado aos judeus pelos britânicos para a criação do “lar nacional para o povo judeu” na Palestina. Após a Declaração Balfour da Grã-Bretanha, as organizações sionistas judaicas aproveitaram as infraestruturas administrativas e econômicas que o Mandato britânico colocou à sua disposição para acelerar a realização do projeto de criação do Estado judaico na Palestina. Para isso intensificaram a imigração dos judeus da Europa oriental e central, em três vagas principais: em 1919-1923, 1924-1928 e 1932-1940.

Em 1931 os judeus eram 174.610 de um total de 1.035.821 habitantes da Palestina. Em 1939, já são mais de 445.000 e em 1946 atingem o número de 808.230 de um total de habitantes da Palestina respectivamente de 1.500.000 e de 1.972.560. Na prática, houve uma ocupação progressiva da Palestina pelos judeus. Os palestinos viram no patrocínio que deram primeiro a Grã-Bretanha e depois a Liga das Nações ao projeto sionista de criação do lar nacional judaico na Palestina a negação do seu direito à independência. Os palestinos se sentiram espoliados. Naturalmente, os palestinos se opuseram ao projeto da criação do lar nacional judaico na Palestina desde o primeiro instante logo que tiveram conhecimento da Declaração Balfour e tentaram, por todos os meios, impedir a sua realização, pois temiam que dela resultasse a sua submissão, não só política, mas também, econômica aos sionistas judaicos, passando assim do domínio turco para o domínio judaico, com um intervalo britânico. Os palestinos apresentaram protestos contra a Declaração Balfour à Conferência de Paz de Paris e ao Governo Britânico. A primeira manifestação popular contra o projeto sionista teve lugar em 2 de Novembro de 1918, primeiro aniversário da Declaração Balfour. Essa manifestação foi pacífica, mas a Resistência palestina logo se tornou violenta, expressando-se em ataques contra os judeus que degeneravam em confrontos sangrentos.

Houve motins em 1920, 1921, 1929 e 1933. De modo geral, as erupções de violência eram cada vez mais graves à medida que o Mandato britânico se prolongava e a colonização judaica se estendia e se fortalecia na Palestina. A Resistência palestina aconteceu também na revolta de 1936-1939. Em abril de 1936, distúrbios locais degeneraram numa revolta generalizada dos palestinos contra os judeus. A revolta já não visava só a colonização judaica. Dirigia-se, sobretudo contra as autoridades britânicas, o poder estrangeiro, de quem os palestinos exigiam a constituição de um governo nacional. As autoridades britânicas responderam com uma repressão violenta e os sionistas judaicos com represálias. Tendo chegado à conclusão de que os palestinos não renunciariam à independência, os britânicos encararam em 1937 a hipótese de dividir a Palestina em dois estados, um árabe e o outro judaico. Essa solução não satisfazia nenhuma das partes. Após a 2ª Guerra Mundial, a ONU (Organização das Nações Unidas) elaborou em 1947 o Plano de Partilha da Palestina que dividiu a região, então sob Mandato britânico, em Estados árabes e judeus contra a vontade dos palestinos porque consideravam que seu território estava sendo usurpado pelos judeus. A divisão, programada pela ONU, previa o repasse de 55% do território aos judeus e 44% para os palestinos.

Em 14 de maio de 1948, seis horas antes do término oficial do Mandato britânico, David Ben Gurion, que seria o primeiro governante israelense, leu a declaração de Independência de Israel após o qual mais de 700 mil palestinos fugiram ou foram expulsos da Palestina, e a maioria teve o retorno negado. Os Estados Unidos e a União Soviética, as grandes potências do pós-guerra, reconheceram rapidamente o novo Estado de Israel. Com a formação do Estado de Israel, houve o incremento da ocupação da Palestina pelos judeus quando muitos deslocados da 2ª Guerra Mundial e refugiados judeus migraram para o novo estado soberano. Estima-se que 170.000 deslocados de guerra e refugiados tenham emigrado para Israel no período entre o final da 2ª Guerra Mundial e o ano de 1953. Estas são, portanto, as origens da usurpação da Palestina pelos judeus. O roubo do território da Palestina pelos judeus fez com que na atualidade, 78% deste território esteja sendo ocupado pelos judeus, restando aos palestinos apenas 22% do território, ou seja, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Enquanto o conflito entre o Estado de Israel e o povo palestino permanece sem solução, Israel, de forma arbitrária, continua expandindo seu território na Palestina com os assentamentos judaicos na Cisjordânia contra todas as Resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

É importante observar que, até recentemente, a Faixa de Gaza era um território palestino administrado pelo Hamas, sendo o outro, a Cisjordânia, que faz fronteira com a Jordânia, e é administrado pela Autoridade Palestina, sendo ambos ocupados militarmente por Israel. A revolta dos palestinos contra a usurpação e tirania exercida por Israel atingiu o ápice quando o Hamas, organização que governava a Faixa de Gaza, lançou em 7 de outubro de 2023 sua maior ofensiva contra Israel, quando 1,2 mil pessoas foram mortas e outras 251 foram tomadas como reféns. Em resposta, o governo de Israel lançou uma ofensiva contra o grupo palestino Hamas na Faixa de Gaza, que foi transformada em ruínas pelos bombardeios israelenses, cujo impacto humanitário sobre uma população de mais de 2 milhões de habitantes também está sendo enorme com mais de 55 mil pessoas mortas em razão deste conflito. É oportuno observar que o conflito atual entre o governo de Israel e os palestinos do Hamas está contribuindo, também, para acirrar os ânimos entre israelenses e a população de 3,2 milhões de habitantes palestinos que vivem nas 11 cidades ou áreas administrativas que compõem a Cisjordânia, administrada pela Autoridade Nacional Palestina por decisão da ONU, que vivem há anos uma progressiva ocupação de seu território por colonos israelenses com o controle militar do governo de Israel.

O número de mortes de palestinos na Cisjordânia desde o início da guerra em Gaza chega a 652, incluindo 150 crianças, com mais de 5.400 pessoas feridas, além da prisão de 524 pessoas ligadas a grupos armados. Hamas incita moradores da Cisjordânia a resistir e atacar militares de Israel que lá atuam. O cerco de Israel à Faixa de Gaza gerou uma crise de fome generalizada no território palestino. Os centros de distribuição de comida de Gaza antes administrados pela ONU com 400 pontos de distribuição, que passaram a ser administrados por Israel com o apoio dos Estados Unidos com apenas 40 pontos de distribuição, se tornaram locais de violência praticados pelo exército de Israel que vem assassinando diariamente pessoas famintas. A culpa pela fome generalizada no território palestino é do bloqueio de Israel à entrada de ajuda humanitária antes administrada pela ONU. O assassinato em massa de Israel contra o povo palestino com os bombardeios de Gaza se completa com a morte de palestinos pela fome. Trata-se de um evidente processo de genocídio do povo palestino denunciado por Omer Bartov, historiador israelense especialista em holocausto e professor de estudos sobre holocausto e genocídio na Universidade Brown, nos Estados Unidos, que foi soldado do Exército israelense na década de 1970. Omer Bartov é um dos maiores especialistas em genocídio mundialmente, de acordo com o site do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos.

Omer Bartov afirma que “o que está acontecendo em Gaza se encaixa na definição de genocídio, uma tentativa de destruir um grupo como tal”. Segundo Bartov, a destruição em Gaza ocorreu em grande escala. A tonelagem de bombas lançadas em Gaza é maior do que a das bombas lançadas sobre cidades alemãs durante a 2ª Guerra Mundial. A destruição direcionada, intencional e deliberada de escolas, hospitais, mesquitas, edifícios públicos e universidades é absolutamente extraordinária. Quando se considera quantos jornalistas foram mortos, quantas equipes médicas foram mortas, quando se lê relatos de crianças sendo baleadas por franco-atiradores na cabeça ou no peito, é difícil encontrar uma equivalência para isso que aconteceu em um espaço tão pequeno com uma população de mais de dois milhões de pessoas. Para o século 21, certamente não há precedentes. Em outubro, logo após o ataque e o massacre do Hamas de 7 de outubro, os líderes políticos e militares israelenses deram declarações dizendo que isso era o que eles queriam fazer, queriam destruir Gaza. A intenção genocida foi manifestada, e tem sido manifestada repetidamente. O que aconteceu foi uma tentativa coordenada de tornar Gaza inabitável para a população palestina que vive lá, de destruí-la como um grupo, destruindo edifícios, matando um grande número de pessoas. Bartov afirma que Israel matou mais de 53 mil pessoas, das quais metade são crianças, e os números são provavelmente muito mais altos do que isso. Também vemos a destruição de tudo o que permite que essa população, se sobreviver, se reconstrua como grupo, porque tudo relacionado à sua cultura, educação, saúde e religião foi sistematicamente destruído.

A única solução que permitiria acabar com o sofrimento do povo palestino seria os judeus humanistas em Israel e no mundo se empenharem no sentido de colocar os extremistas sionistas fora do poder no Estado de Israel. A construção da paz só poderá acontecer na região da Palestina se o povo judeu humanista em Israel e no mundo inteiro, bem como os palestinos constituírem governos que busquem a conciliação entre os povos judeu e palestino. Esta conciliação consistiria em, de um lado, Israel aceitar a constituição do Estado palestino, buscar uma solução justa e negociada sobre Jerusalém e sobre o destino de refugiados palestinos, acabar com os assentamentos judaicos na Cisjordânia e reconstruir a Faixa de Gaza e, de outro, os palestinos reconhecerem o Estado de Israel porque nem palestinos nem israelenses podem impor sua vontade um ao outro. Nem os extremistas de direita que governam Israel nem os grupos extremistas palestinos terão condições de impor sua vontade pela força das armas na Palestina. Sem esta solução, a vitória de Israel com o aniquilamento dos integrantes do Hamas da Faixa de Gaza e a transformação de Gaza em um túmulo de sua população civil farão com que aumente o ódio de palestinos e árabes contra os judeus e impeça qualquer possibilidade de convivência pacífica entre judeus e palestinos na região no futuro.

* Fernando Alcoforado, 85, é associado da AEPET-BA, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona.

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