Compartilhe

 

Por Isabel Reis, associada da AEPET-BA

Salvador não cura mais a dor! Suas praias nos afogam em poças e ondas de sangue.

Não são mais os peixes que colorem de vermelho os nossos mares, nem ferem nossos corpos, sequer bebem nosso sangue! Pasmem! São humanos que, de posse de suas garras, atravessam nossa espinha, atingem corações e pinicam como a fazer necropsia.

É inútil reagir diante de corpos recobertos de salmoura e que, sem chances, amolecem, adoecem, apodrecem e morrem! Não há parte que resista, embora insista em viver…

As aves não mais voam embelezando a paisagem. Elas bicam e se alimentam do que sobrou de nós!

Nos parques, maníacos se vingam de suas infâncias, as quais não ficaram para trás…

Baladas festivas e encontros culturais são interceptados e algemados na alegria de dançar, beber, namorar, frente aos riscos de terminarem, tantas vezes, em tiros assertivos ou nos chamados tiros cegos.

Não contamos com os noticiários. Estes banalizam e teatralizam cenas de filmes de bang bang, repletos de episódios sádicos, fazendo duo com o gozo do telespectador, também dotado de sua porção sadomasoquista.

Alguns enfrentam com naturalidade essa rotina virtual e real, mediada por séries de “belos assassinatos” exibidos em 3D pela Globoplay. São estas as notícias que, ao tempo em que assustam alguns, convocam outros, e produzem gozo em tantos! Viralizam ocupando o espaço de temas culturais, de entretenimento, moda, cozinha… Somos confiscados diariamente por tristes emoções: choros, medos, horrores!

A estupidez chegou até as escolas! Ah! Paulo Freire, terias que fazer grandes adaptações na alfabetização… Quem sabe, reduzirias sílabas do “ ti-jo-lo” para o “ti-ro”.

Afinal, o Construtivismo lida é com a realidade do aluno, do professor, da vida!  Como discorrer em salas de aula sobre matérias tão complexas, como a matemática, a história, a gramática e suas subjetividades, se alunos e professores estão com o olhar e o intelecto bloqueados por essa realidade externa? Realidade que convoca a atenção do sujeito para o proteger-se… A atenção é para a fuga, mantendo ouvidos antenados na expectativa de ruídos estranhos, e a espera do possível corre-corre.

Por onde anda aquele baiano que usava tiracolo, carteira “gorda” no bolso de trás, dedos recheados de anéis e correntões no pescoço? E a moça com a bolsa de couro do mercado modelo, aquela em que cabia tudo dentro, inclusive o biquíni escondido para o pós-aula, com o corpo enfeitado de joias de micheline? Passear na praça, hoje, só se o cão de guarda estiver ao lado. Namorar, com maior segurança, necessita adentrar a família, evitar os postes de penumbra… Ainda assim, sem garantias de que todo esse esforço e aprisionamento  impedirão um futuro feminicídio!

Resta-nos acreditar no pseudo mapa regionalizado, que seleciona bairros, elegendo-os como os mais protegidos (?), em detrimento dos bairros mais abandonados…

 

Originalmente publicado no jornal Atarde dia 16 de abril de 2023.


Compartilhe