Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo demonstrar a necessidade de o governo brasileiro reorientar os rumos da economia do Brasil reduzindo sua dependência econômica de mercados de exportação e de capitais externos e sua dependência tecnológica para promover seu desenvolvimento. O recente tarifaço de 50% contra o Brasil adotado pelo governo Trump dos Estados Unidos fará com que haja redução das exportações brasileiras de petróleo bruto, minério de ferro, aço, máquinas, aeronaves, produtos eletrônicos, além de açúcar, café, suco de laranja e carne. Outros setores da indústria brasileira já vêm sofrendo com tarifas de 50%, como é o caso do aço e alumínio. Quem mais deve sofrer com o tarifaço é o setor de insumos produtivos, que representam 61,4% das exportações e 56,5% das importações brasileiras. O tarifaço sobre a economia brasileira não será tão impactante porque as exportações para os Estados Unidos representam apenas 12% das exportações totais do Brasil. Os Estados Unidos são o 3° principal parceiro comercial do Brasil, atrás da China e da União Europeia, e o principal destino das exportações da indústria de transformação brasileira. Apesar de as exportações para os Estados Unidos representarem apenas 12% das exportações totais do Brasil, pode trazer como consequência o aumento da inflação e a queda no crescimento econômico, do emprego e da renda da população brasileira.
Este episódio do tarifaço do governo Trump contra o Brasil mostra a necessidade de redirecionar de imediato para novos mercados, os produtos que se tornarão inviáveis exportá-los para os Estados Unidos se for mantido o tarifaço de 50%. Além disso, é preciso, também, em reciprocidade, taxar os produtos importados dos Estados Unidos em 50%, bem como evitar que o sistema produtivo do País continue sendo bastante dependente dos mercados externos de exportação porque poderá voltar a ser prejudicado por decisões que sejam tomadas por governantes de países com os quais mantém relacionamento comercial. Isto significa dizer que maior ênfase deveria ser dada ao desenvolvimento do sistema produtivo para atender prioritariamente o mercado interno. O Brasil poderá ser prejudicado, também, por decisões que sejam tomadas por empresas estrangeiras instaladas no País se for elevado o nível de dependência do Brasil em relação ao capital estrangeiro. É preocupante o fato de o Brasil ser enormemente dependente do capital estrangeiro que tem grande participação na economia brasileira, seja nos setores industrial, de comércio, de serviços e financeiro. Sem incluir o setor financeiro, considerando apenas os setores de comércio, indústria e serviços, a participação no Brasil dos grupos transnacionais é de 36%.
No setor de comércio, as transnacionais focam nos segmentos de commodities e grande varejista, elos centrais de controle dessas cadeias. Dentro dos grupos, as transnacionais respondem por 47% do faturamento. No setor industrial, as empresas transnacionais concentram 28% da receita (37% sem Petrobras) e estão em segmentos dinâmicos e de mais elevado padrão tecnológico como material de transporte (veículos e peças), metalúrgico, eletroeletrônico, químico e alimentos e bebidas. No setor de serviços, vem crescendo a participação de empresas de capital estrangeiro que adquiriram empresas nos segmentos de telecomunicações e energia. Essas corporações são responsáveis por 44% do faturamento do setor (48% sem Telebras). Segundo dados do Banco Central, os bancos estrangeiros respondem por 14% dos ativos totais e 31% do saldo das operações de crédito do setor financeiro do País. Investidores estrangeiros representam uma parcela considerável da bolsa brasileira, com participação superior a 50% desde 2021. Em 2024, atingiram 55,80% de participação. Constata-se, portanto, que a economia brasileira é transnacionalizada e está no circuito produtivo do grande capital transnacional. Assim, fica evidenciada a dependência do Brasil de capitais externos com a enorme presença das grandes corporações transnacionais na economia brasileira.
No Brasil, as grandes corporações transnacionais ocupam segmentos que estão no coração das cadeias de valor, permitindo-lhes o controle estratégico da produção e comercialização (para frente e para trás) em cada setor. Esse fato lhes garante a apropriação do valor criado em diversos elos da cadeia. No segmento de material de transporte, por exemplo, as montadoras estão no centro de controle da cadeia. As grandes corporações transnacionais detêm o poder de determinar os preços de seus fornecedores e, com isso, se apropriam de grande parte de seus lucros pelo poder de oligopsônio. As grandes corporações transnacionais detêm o poder sobre a cadeia para frente, a comercialização e os serviços de seus concessionários, também se apropriando do valor que seria aí adicionado. Outro exemplo é a cadeia de commodities. De um lado estão as grandes corporações que controlam as sementes e insumos; do outro, as grandes comercializadoras. É por tudo isto que o produtor agrícola brasileiro tem sua margem de lucro extremamente reduzida.
Além da dependência do Brasil de capitais externos, existe o mito de que o capital estrangeiro transfere tecnologia para o País refletindo uma visão ingênua sobre o papel das empresas estrangeiras no desenvolvimento tecnológico em países periféricos. Este mito contribui para dificultar o esforço próprio de desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, mantendo o País em um patamar tecnológico permanentemente inferior e continuar contribuindo para um fluxo constante de pagamentos para o exterior pelo uso da tecnologia externa e um déficit permanente no item tecnologia do balanço de transações correntes. É esta situação de dependência econômica e tecnológica em relação ao exterior que explica a incapacidade do Brasil em promover seu desenvolvimento econômico e social ao longo da história. O Brasil precisa superar sua grande dependência econômica e tecnológica em relação ao exterior, seja nos setores industrial, de comércio, de serviços e financeiro para promover seu desenvolvimento econômico e social.
Immanuel Wallerstein, já falecido, foi um sociólogo americano conhecido por desenvolver a teoria do sistema-mundo. Segundo Wallerstein, a economia mundial é regida por um sistema, o sistema-mundo capitalista que é composto por uma divisão entre centro, periferia e semiperiferia e que surgiu no século XVI no início do processo de globalização com as grandes navegações inauguradas com a descoberta da América. Os países mais desenvolvidos do mundo integram o centro do sistema-mundo os quais integram o núcleo orgânico da economia capitalista mundial, isto é, os países da Europa Ocidental (Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Escandinávia, Alemanha, Áustria, Suíça, França, Reino Unido e Itália), da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), Japão e, mais recentemente, a China. Para Wallerstein, o centro é a área de grande desenvolvimento tecnológico que produz produtos complexos; a periferia é a área que fornece matérias-primas, produtos agrícolas e força de trabalho barata para o centro. A troca econômica entre periferia e centro é desigual: a periferia tem de vender barato os seus produtos enquanto compra caro os produtos do centro. Quanto à semiperiferia trata-se de uma região de desenvolvimento intermediário que funciona como um centro para a periferia e uma periferia para o centro. O Brasil se situa como país semiperiférico.
A teoria do sistema-mundo teve como formulador Immanuel Wallerstein e como seus principais pensadores André Gunder Frank, Samir Amin, Giovanni Arrighi e Theotonio dos Santos, intelectuais ligados à “teoria da dependência”, os quais afirmam que a “dependência” expressa subordinação dos países periféricos e semiperiféricos em relação aos países capitalistas centrais cujo atraso econômico não era forjado por sua condição agrário-exportadora ou por sua herança pré-capitalista, mas pelo padrão de desenvolvimento capitalista dependente do país e por sua inserção subordinada no capitalismo mundial. Segundo os pensadores do sistema-mundo, a superação do atraso econômico dos países periféricos e semiperiféricos deveria resultar do fim da dependência e não de sua modernização e industrialização da economia como foi preconizado, por exemplo, pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) na década de 1950. Os fatos da realidade confirmam, por exemplo, o equívoco do desenvolvimento do Brasil ter se apoiado em capitais estrangeiros e em tecnologia externa adotado a partir de 1955 com o governo Juscelino Kubitscheck e o aprofundamento desta dependência com a adoção do modelo econômico neoliberal desde 1990.
Pode-se afirmar que o insucesso na promoção do desenvolvimento econômico e social da quase totalidade dos países periféricos e semiperiféricos do mundo deve ser atribuído ao fato desses países não conseguirem se libertar de suas amarras ou de sua dependência dos mercados externos de exportação e de capitais dos países capitalistas centrais. Países, como o Brasil, que não superaram sua dependência em relação ao exterior e aderiram ao modelo econômico neoliberal estão ameaçados de sofrer as consequências das crises da economia global que tendem a se agravar com a evolução do tempo. Conclui-se, portanto, que países capitalistas periféricos e semiperiféricos como o Brasil só promoverão seu desenvolvimento se levarem ao fim sua dependência externa (econômica e tecnológica) em relação aos países capitalistas centrais. Realizar a ruptura econômica e tecnológica em relação aos países capitalistas centrais não significa o desenvolvimento autárquico com uma política isolacionista e voltada exclusivamente para o mercado interno, mas sobretudo promover prioritariamente o desenvolvimento do mercado interno do País com abertura econômica seletiva em relação ao exterior.
A ruptura da dependência externa do Brasil significa ativa participação do Estado no planejamento da economia nacional visando o desenvolvimento das forças produtivas do País e de seu mercado interno, a produção interna em substituição de produtos importados e para exportação, o desenvolvimento de tecnologia própria e a formação de poupança interna na quantidade necessária para não depender exclusivamente de capitais externos para investimento. Esta estratégia propiciaria a expansão da economia nacional com a geração de negócios e de empregos suficientes para atender as necessidades do País, além de atenuar o impacto de ameaças ao desenvolvimento nacional que ocorram na economia mundial como, por exemplo, a guerra comercial desencadeada pelo governo Trump dos Estados Unidos contra o Brasil e outros países do mundo. O Brasil não se desenvolverá na plenitude sem levar ao fim a dependência de mercados externos de exportação e a dependência de capitais externos e tecnológica em relação ao exterior. No entanto, a ruptura da dependência externa do Brasil não poderá ocorrer de forma abrupta porque poderia levar ao colapso de sua estrutura econômica devido a sua dependência de mercados e de capitais externos. Diante deste fato, o fim da dependência econômica e tecnológica do País em relação ao exterior deve ocorrer de forma gradual, planejada e sustentável ao longo do tempo com a adoção de políticas de fortalecimento dos centros de pesquisas científicas e tecnológicas, das universidades públicas e privadas e da indústria nacional para promover a substituição de importações de produtos e insumos importados para assegurar a autossuficiência nacional, e, consequentemente, o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
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* Fernando Alcoforado, 85, é associado da AEPET-BA, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona.