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Por Maria Lucia Fattorelli*

Especialistas divergem sobre a necessidade de limites para a dívida pública federal em debate na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O Projeto de Resolução do Senado (PRS) 8/2025, que cria novas regras é de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Acima, o senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) ouve o economista Felipe Salto

O estoque da dívida pública federal, composto de títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, está em R$ 10,92 trilhões, ou seja, R$ 10.919.379.816.982,30, e tem crescido principalmente por causa dos juros elevadíssimos praticados no Brasil, além da atuação de vários mecanismos financeiros abusivos que vêm sendo denunciados pela Auditoria Cidadã da Dívida (ACD).

Desse estoque, que já atinge quase R$ 11 trilhões, cerca de R$ 2,8 trilhões são referentes ao que a ACD chama de Bolsa-Banqueiro, porque corresponde a títulos que o Tesouro Nacional doa para o Banco Central (de graça mesmo, pois o BC não paga nada por eles), e, ainda por cima, paga juros sobre estes títulos doados, sem justificativa econômica ou técnica que se sustente.

O Banco Central utiliza esses títulos que recebe de graça do Tesouro para remunerar, diariamente, a sobra de caixa dos bancos, isto é, a montanha de dinheiro que pertence à sociedade (pessoas, empresas e órgãos públicos) e se encontra depositada ou aplicada em bancos.

Assim, em vez de os bancos emprestarem o dinheiro da sociedade para o conjunto da própria sociedade a juros baixos e dinamizar a economia brasileira, eles preferem cobrar juros exorbitantes sobre os empréstimos que disponibilizam ao público em geral, e usam essa sobra de caixa para depositar no Banco Central e receber uma generosa remuneração diária sobre esse dinheiro que sequer pertence a eles; uma verdadeira Bolsa-Banqueiro.

Alega o Banco Central que esse imenso volume de títulos e juros que recebe do Tesouro Nacional são usados em sua política monetária, nas Operações Compromissadas e Depósitos Voluntários Remunerados, operações que, na prática estão viabilizando a Bolsa-Banqueiro.

O volume dessas operações no Brasil extrapola de forma escandalosa qualquer comparativo internacional, como aponta estudo da Instituição Fiscal Independente mantida pelo Senado: enquanto em demais países o volume dessas operações não chega a 1% do PIB e em alguns casos são realizadas com juro zero, aqui no Brasil chegam a ultrapassar 25% do PIB e são remuneradas com base na Selic, que já atinge o escandaloso patamar de 15% ao ano, ou até mais. Ademais, o volume de moeda em circulação no Brasil é baixíssimo e não se justifica a esterilização de trilhões pelo Banco Central.

Trata-se, portanto, efetivamente, de uma remuneração gratuita e injustificável, viabilizada pelo Banco Central e pelo Tesouro Nacional em favor dos bancos que atuam no Brasil, e que provoca graves danos à economia do país. Ao mesmo tempo, essas operações feitas pelo Banco Central dessa forma exagerada no Brasil provocam:

– Elevação das taxas de juros de mercado, porque os bancos preferem a remuneração garantida pelo BC, sem risco algum, do que emprestar à sociedade a juros baixos;

– Aumento do gasto com juros da dívida pública, tendo em vista que os R$ 2,8 trilhões de títulos públicos doados pelo Tesouro ao BC exigem o pagamento de juros, que constituem a principal receita do BC, ou seja, o Tesouro Nacional sustenta o Banco Central que se diz “independente”. Nos últimos 2 anos (2023 e 2024), o gasto com o Tesouro com esse pagamento de juros ao BC atingiu R$ 485 bilhões, valor muito superior à soma dos orçamentos anuais da Educação e Saúde no mesmo período;

– Expansão do estoque da dívida pública, pois esses títulos doados pelo Tesouro Nacional ao Banco Central possuem características semelhantes a qualquer outro título público: pagam juros exorbitantes, prazos de vencimento estabelecidos e ampliam as obrigações financeiras do país;

– Prejuízo a toda a economia real (indústria, comércio, investimentos e famílias), que depende de crédito a juros baixos e, enquanto durar essa Bolsa-Banqueiro em volumes elevadíssimos, as taxas de juros não caem no Brasil.

O Congresso Nacional deveria interromper urgentemente essa nociva prática de Bolsa-Banqueiro, tendo em vista que só o Brasil comete tal aberração em volume exorbitante que provoca todo esse desastre acima descrito.

Já existe o projeto de lei complementar PLP 104/2022, que limita as taxas de juros no Brasil (como fazem cerca de 80 países mundo afora) e impede a nociva prática da Bolsa-Banqueiro, mas tal projeto se encontra paralisado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

Em vez de corrigir essa imensa distorção que vem funcionando no Brasil e provocando tantos estragos, o Senado Federal está analisando um Projeto de Resolução (PRS 8/2025) que, além de fixar limites globais para o montante da dívida consolidada da União – regulamentando algo há muito tempo está previsto na Constituição Federal e na chamada Lei de Responsabilidade Fiscal –, deixa fora do estoque da dívida pública (a ser considerado nesse limite, conforme último parecer, de 30/9/2025) o volume de títulos públicos doados pelo Tesouro Nacional ao Banco Central, ou seja, esconde exatamente a parcela mais escandalosa do estoque da dívida pública federal, que tem sido usada para manter a nociva Bolsa-Banqueiro.

Além desse privilégio injustificável aos bancos que atuam no Brasil, o PRS 8/2025 prevê que, caso o estoque da dívida ultrapasse determinado limite – até o momento o limite indicado seria de 80% do PIB ou 6,5 vezes a Receita Corrente Líquida –, o governo federal terá que aprofundar os cortes nos investimentos em direitos sociais (Saúde, Educação, Previdência, Segurança etc.) bem como na estrutura do Estado (investimentos na manutenção da máquina pública de todos os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público), que são as chamadas Despesas Primárias, para que forçosamente se produza um superávit primário, como diz o art. 2º do referido projeto, o que levará ao aprofundamento do Arcabouço Fiscal.

O referido projeto de Resolução ainda prevê graves ataques ao funcionalismo público, com a imediata aplicação do artigo 167-A (incisos I a X) da Constituição Federal, com vedações a reajustes, criação de cargo, emprego ou função, planos de carreira, admissão ou contratação de pessoal, realização de concurso público, revisão de auxílios ou benefícios de qualquer natureza.

Dessa forma, o PRS 8/2025 visa consolidar ainda mais o privilégio do Sistema da Dívida e turbinar o Arcabouço Fiscal de forma crescente, uma vez que seu texto original estabelece meta arrojada – “… a dívida deverá ser reduzida à razão de um quinze avos a cada exercício financeiro…” – o que exigirá graves restrições a todo o funcionalismo público, direitos sociais e estrutura do Estado, embora o maior rombo das contas públicas esteja no gasto com juros exorbitantes sobre uma dívida ilegítima e gastos com a indecente Bolsa-Banqueiro estão sendo preservados, protegidos e privilegiados nesse projeto de resolução em discussão no Senado.

Por fim, o referido projeto de Resolução eterniza o Sistema da Dívida, na medida em que, caso atingido o limite da dívida, só serão admitidos novos empréstimos para pagar dívidas anteriores, que até o Tribunal de Contas da União já declarou que não têm contrapartida alguma em investimentos no país. Dessa forma, o referido projeto impede a contratação de novos empréstimos que se destinariam a investimentos de interesse da sociedade que arca com essa pesada conta de várias formas. Infame!

Conclamamos senadoras e senadores a reverem o conteúdo desse projeto de resolução PRS 8/2025 e corrigir o seu rumo, para que ele proíba a Bolsa-Banqueiro em vez de protegê-la, limite os gastos exorbitantes com juros sobre a chamada dívida repleta de mecanismos financeiros indecentes, e determine a realização da auditoria dessa dívida, que é onde está o verdadeiro rombo das contas públicas.

 

* Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB (CBJP). Escreve mensalmente para o Extra Classe.


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