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Golpe de 1964: Petrobrás e sua colaboração com a ditadura militar

Em 2024, o golpe militar que instaurou a ditadura no Brasil completa 60 anos, mas a luta pela democracia, pelo direito à memória, verdade, justiça e reparação continua.

O golpe militar de 1964 marcou um dos períodos mais sombrios da história brasileira. Em 31 de março daquele ano, as Forças Armadas depuseram o presidente democraticamente eleito João Goulart, instaurando um regime autoritário que se estenderia por 21 anos.

Embora tenha sido justificado pelas elites políticas e militares como uma ação para “salvar” o país do comunismo, o golpe resultou em repressão, censura, tortura e perseguições generalizadas, especialmente contra trabalhadores, estudantes e organizações sindicais.

Para reprimir qualquer reação dos trabalhadores, o novo regime impôs uma legislação que cerceava as liberdades democráticas e atacava os direitos sociais, como a lei de greve, a lei do fim da estabilidade no emprego, a lei de segurança nacional e a lei de imprensa.

Paralelamente, implementou-se um programa de desenvolvimento dependente do capital internacional, favorecendo grandes empresários e latifundiários, o que levou a arrocho salarial, desemprego, intenso êxodo rural, concentração de propriedades e miséria nas grandes cidades.

Perseguições contra trabalhadores

Os trabalhadores resistiram ao golpe, e na Petrobrás, houve paralisações de produção e bloqueios de abastecimento de combustível às forças golpistas, entre outras ações. Documentos da empresa, liberados após a instauração da Comissão Nacional da Verdade em 2011, registram essas resistências e as subsequentes punições pelos militares.

No Relatório da Comissão de Investigações, que esquadrinhou os servidores da empresa que resistiram ao golpe, tem as ações de resistência ao golpe como o bloqueio dos portões da RPBC com cangurus, guindastes e rolos compressores, paralisação das caldeiras que alimentavam o refino, batizado da gasolina, caso os golpistas furassem o bloqueio; na Reduc, trabalhadores além de parar a produção e tentar resistir a entrada de tropas do exército, viabilizaram o envio de petroleiro carregado de combustível para quem resistia ao golpe no Rio Grande do Sul.

Na Bahia, a quase totalidade dos trabalhadores, incluindo os da segurança e vigilância industrial aderiram à greve geral que estava convocada em todo o país.

Consta no Relatório que cerca de 1500 trabalhadores da Petrobrás foram investigados por uma comissão composta por alunos-oficiais da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, com a colaboração de autoridades do Conselho de Segurança Nacional e outros órgãos de informação.

Durante a ditadura, a Petrobrás sofreu intervenções diretas para controlar a produção e reprimir movimentos de contestação interna. Sindicatos foram alvo de intervenções, com líderes presos, torturados ou exilados, sob a justificativa de manter a “ordem e progresso”, enquanto, na verdade, se buscava enfraquecer a oposição ao regime.

A ditadura impôs uma relação trabalhista militarizada na Petrobrás, resultando em uma disciplina fabril que violava a segurança e a saúde dos trabalhadores. Além disso, muitos foram perseguidos, presos, torturados e demitidos, vítimas de uma paranoia antissindicalista.

A Rlam, na Bahia, é citada como uma das unidades utilizadas para prisões e torturas dos próprios petroleiros.  Um alojamento foi adaptado como centro de torturas, como lembrou o presidente da Associação dos Anistiados Políticos do Sistema Petrobrás (Abraspet), Raimundo Lopes. Ele revelou que não sofreu torturas, mas foi preso em uma corveta, utilizado como navio-prisão, logo após o golpe.

Os relatos de trabalhadores revelam que as perseguições políticas que sofreram na ditadura se estenderam para além dos portões da Petrobrás, atingindo também suas famílias.

Por exemplo, o petroleiro Carlos Geraldo Marighella, filho do líder revolucionário, foi demitido, pouco mais de um ano após ter começado a trabalhar como técnico na Rlam, mesmo tendo sido aprovado em concurso público.

Esse e outros relatos de trabalhadores são evidências de que a Petrobrás participou ativamente da repressão após o golpe de Estado de 1964, como revelam as pesquisas sobre as graves violações cometidas pela estatal.

A Lei de Anistia

A Lei de Anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979, foi um marco na transição para a democracia, mas ao invés de servir plenamente à justiça, facilitou a impunidade para os responsáveis pelos crimes da ditadura.

A justiça de transição no Brasil falhou em garantir reparação completa às vítimas e punição adequada aos culpados. A Lei de Anistia serviu como escudo para muitos dos que cometeram atrocidades durante o regime militar.

Comissão da Verdade

Criada em 2011, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) teve como objetivo investigar as violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, mas enfrentou limitações de tempo e recursos. A Comissão de Anistia, por sua vez, criada pela Lei 10.559/02, buscou conceder o status de anistiado político às vítimas da ditadura.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, essa comissão desviou-se de seus objetivos, gerando críticas.

Na atualidade, no governo Lula, houve renovação dos esforços para reparar as injustiças do passado. A Comissão de Anistia retomou suas atividades com vigor, realizando inúmeras sessões plenárias e decidindo sobre casos emblemáticos, como o dos irmãos Teles (que assistiram as torturas dos pais) e Clarice Herzog. Além disso, anistias coletivas foram concedidas a grupos historicamente marginalizados, como os indígenas Krenak e Guarani-Kaiowá.

A reinstalação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) em 30 de agosto de 2023, Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, marca um passo importante na busca por justiça e reparação.

Essas comissões, apesar de não resolverem todas as falhas da justiça transicional brasileira, representam um esforço contínuo para minorar as consequências da impunidade e garantir que a memória da ditadura seja preservada como um período de horrores que jamais deve se repetir.

Na Petrobrás, 56 petroleiros, 42 da Rlam e 14 da Replan, ainda aguardam reparação econômica.

Democracia em jogo

Forças retrógradas e conservadoras apoiaram o golpe midiático-jurídico-parlamentar de 2016, que depôs a ex-presidenta Dilma, prendeu ilegalmente o ex-presidente Lula e resultou na eleição do governo neofascista de Bolsonaro. Bolsonaro militarizou a administração pública, colocando cerca de 10 mil militares em cargos estratégicos, com o objetivo de assegurar ataques contra direitos da classe trabalhadora e contra os direitos humanos.

A continuidade das investigações sobre a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 é fundamental para a democracia no Brasil. É necessário implementar mudanças estruturais, como a democratização das corporações militares, a desmilitarização das Polícias Militares e a alteração do artigo 142 da Constituição Federal, que prevê a “garantia da lei e da ordem”.

É urgente desmilitarizar a segurança pública e cumprir as determinações legais, incluindo as recomendações da CNV e a punição dos responsáveis por torturas, assassinatos e outros crimes, tanto do passado quanto do presente. Sem liberdades democráticas, não há avanços para a classe trabalhadora em direitos e na construção de uma sociedade justa e sem opressões.

(Com informações da CUT e FUP)


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