Por, Marcos André, presidente da AEPET-BA
A livre manifestação de pensamento é um pilar democrático fundamental e comporta as expressões individuais e coletivas, entretanto o exercício de tal direito se vincula ao que o se expressa e se reivindica de modo que se não lícito o objeto da manifestação, a manifestação também passa a ser ilícita.
Não se trata de discutir se a manifestação interfere ou não na circulação pública, mas se a pauta reivindicada é lícita ou não. Em sendo lícita não se pude criminalizar, mas sendo ilícito não se pode tolerar, ainda que não interfira na circulação nas vias públicas.
Não se pode assistir em silêncio a confusão proposital entre a exaltação do crime e a criminalização do legítimo direito de manifestação.
Os crimes contra a ordem política e institucional que têm sido praticados por apoiadores de Bolsonaro não podem servir de esteio para a criminalização das lutas legítimas do povo e da liberdade de ocupar as ruas para defender as pautas legítimas dos segmentos sociais.
As manifestações nada têm a ver com o resultado das eleições, mas com a opção política de Bolsonaro e seus apoiadores de atentar contra a democracia defendendo golpe militar, desde maio de 2019, apenas 5 meses após a posse do próprio Bolsonaro. A opção da ultradireita no mundo e no Brasil de defender publicamente regimes autoritários, racistas, misóginos e xenofóbicos é uma opção consciente e criminosa que nada pode ser confundida com liberdade de manifestação, o uso da liberdade para cometer crime não deixa liberdade para as autoridades públicas a não ser punir todos que participam do crime no limite de suas responsabilidades.
Nem criminalizar os movimentos sociais, nem legitimar o crime, as ruas e praças são espaços privilegiados das legítimas manifestações da sociedade e naquilo que colidir com os direitos individuais deve ser ponderado e mediado pelas autoridades, privilegiando os direitos coletivos em detrimento dos individuais, mas preservando o mínimo de ambos. Ocupar as ruas é dever coletivo em defesa de pautas legítimas, incluindo a defesa da democracia. O crime não está em fechar estradas e vias, mas é em defender a ditadura, independente de limitar, ou não, o direito de ir e vir de terceiros, crime é crime não importando se fecha ou não rodovias.
Defender a pedofilia, tráfico de drogas e armas é crime não importando se a manifestação respeita ou não as liberdades individuais, se fecha uma rodovia ou se o faz em praça pública sem comprometer a circulação de pessoas e mercadorias.
O debate sobre direitos individuais e coletivos é reivindicado por aqueles que historicamente desejam sabotar a legítima luta do povo. O confronto que parece inevitável entre o direito coletivo de manifestação e o direito individual, por exemplo, precisa ser analisado no esteio daquilo que se reivindica e da legitimidade da ação e não apenas no método de agir.
O direito individual consagrado em nossa Constituição não pode servir de anteparo para a criminalização da luta do povo, a ação reivindicatória, que chama a atenção da sociedade para questões que legitimamente estão sendo reivindicadas por um grupo organizado de pessoas não é crime.
Numa situação de defesa de interesses, mobilizar a sociedade e as instituições para que através da pressão pública no espaço coletivo, alterando o estado de coisas em benefício de alguns segmentos, é garantia igualmente constitucional.
Transformar as mobilizações dos trabalhadores em um ato necessariamente criminoso e atentatório contra os direitos e liberdades individuais em razão da obstrução de vias, é uma tática utilizada para deslegitimar não importando as razões legítimas da luta do povo, dos sindicatos, dos movimentos sociais e populares. Confundir livre manifestação com os crimes que vêm sendo cometidos nas ruas, praças e nas portas dos quartéis é má fé e, intencionalmente ou não, legítima se o crime, apenas porque não obstruiu uma faixa de uma via.
A intenção, a reivindicação, a pauta é que distingue a ação legítima do crime. Se alguém disser que uma pessoa foi morta, a primeira pergunta é: por que matou? A partir da resposta se poderá considerar se é crime ou não, podendo ser por exemplo, legítima defesa e não será punido quem praticou. Portanto, o que difere não é a obstrução de vias públicas, mas o que se defende e se o que se reivindica é o cometimento de crime, puna-se, mas se é legítima e legal a pauta então os poderes públicos devem garantir o exercício do direito com a mesma gana que deve punir os criminosos.
Os eventos antidemocráticos não são crimes porque obstruem as vias, eles são crimes porque a reivindicação não é legítima; ao contrário constitui-se em si mesmo em um ato criminoso. A ninguém é dado o direito de reivindicar o cometimento de crime reivindicando para si a liberdade de expressão e a liberdade de livre manifestação.
Contra esses crimes não se pode tergiversar, os novos comandos da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal devem investigar, identificar e instaurar inquéritos policiais contra todos os criminosos que ocupam vias, praças e portas de quartéis, independentemente da obstrução, além de responsabilizar os agentes públicos que prevaricando condescendeu com o crime, não podemos aceitar uma nova anistia para que cometeu crime contra a democracia.
A pacificação social se dá com a aplicação da lei por um juízo natural e imparcial para que não se exaltem criminosos e nem se criminalize os que defendem direitos legais e legítimos e até a própria democracia, hoje vítima dos criminosos.