Por Eric Gil Dantas e Rafael Prado*
Desde o final de 2024, a gestão da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, tem sido alvo de críticas devido ao déficit registrado em seu principal plano, o Plano 1. Em 2024, o Plano 1 apresentou um déficit de R$ 17,6 bilhões, principalmente devido ao desempenho negativo de 12,02% nos investimentos em Renda Variável. Essa situação levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a iniciar, no mês passado, uma auditoria para apurar supostos prejuízos e avaliar a gestão do fundo.
Nos últimos dias, importantes jornais intensificaram as críticas a João Fukunaga, incluindo um editorial do Estadão na quarta-feira, 19, denunciando o suposto “aparelhamento” da Previ pelo “Lulopetismo” e pela “companheirada”.
Nada disso é novidade: fundos de pensão enfrentam momentos em que a rentabilidade fica abaixo da meta, resultando em perda de valor patrimonial, enquanto setores da imprensa culpam sindicatos e sindicalistas por qualquer suposta ingerência em questões econômicas — ainda que isso envolva a gestão de suas próprias poupanças. Esses momentos são oportunidades perfeitas para que os porta-vozes do mercado financeiro misturem e confundam diferentes fatores com o intuito de reafirmar o discurso de que o mercado é bom e os sindicatos são ruins.
O resultado do Plano 1 da Previ em 2024
Assim como qualquer fundo de pensão, o Plano 1 da Previ possui a maior parte de seus investimentos em renda fixa, que representa 64% da carteira. Os principais fundos desse segmento são o BB RF IV Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo (46% dos recursos do plano) e o BB RF Liquidez Fundo de Investimento Renda Fixa (10%). O primeiro teve um bom desempenho em 2024, com rentabilidade de 10,58%, enquanto o segundo apresentou resultado negativo (-4,70%) devido à desvalorização de títulos públicos marcados a mercado, impactados pelo aumento da taxa Selic ao longo do ano. Ainda assim, os juros elevados que beneficiaram a Petros também garantiram rentabilidade acima da inflação para a Previ. Embora abaixo do potencial, o retorno foi positivo. Por exemplo, no PPSP-Repactuados da Petros, a renda fixa rendeu 9,49%.
O principal fator que explica o “déficit” do Plano 1 foi a rentabilidade negativa da renda variável (-12,02%), reflexo de um ano ruim para esse segmento. O Ibovespa, que reúne as principais ações da B3, caiu 10% em 2024. Para efeito de comparação, os planos BD da Petros tiveram uma queda menor (4%), mas os planos PP-2 e PP-3 registraram quedas semelhantes à do Plano 1 da Previ, com rentabilidades negativas de 11% e 10%, respectivamente. Vale lembrar que a renda variável vinha de dois anos consecutivos de bons resultados, com retorno positivo de 17% tanto em 2022 quanto em 2023.
Contudo, não é a rentabilidade negativa em si que gera o déficit, mas sim a desvalorização de mercado das ações detidas pela Previ. O gráfico a seguir apresenta a evolução dos preços das principais participações do Plano 1 da Previ: Vale, Neoenergia, Banco do Brasil, Petrobras e Itaú-Unibanco. Todas essas ações sofreram desvalorização entre o final de 2023 e o final de 2024, acompanhando a tendência do mercado. No caso da Vale, por exemplo, a queda foi de 29% (de R$ 77,20 para R$ 54,55). No entanto, todas as ações já estão se recuperando: até 18 de março, a Vale subiu 5%, o BB 18% e o Itaú 16%.
Gráfico 1 – Preço das principais ações do Plano 1 da Previ (em R$)
Como essa desvalorização afetou o patrimônio da Previ? Vejamos o caso da Vale. O Plano 1 da Previ detém 385,9 milhões de ações da companhia. Ao fim de 2023, essas ações estavam avaliadas em R$ 29,8 bilhões no mercado acionário. Ou seja, se a Previ vendesse todas as ações pelo preço daquele momento (R$ 77,20), receberia esse montante. No entanto, essa não é exatamente a realidade. Primeiro, ninguém coloca quase R$ 30 bilhões em ações no mercado sem provocar uma queda significativa nos preços, devido ao excesso de oferta e à possível desconfiança do mercado. Segundo, esse valor é uma métrica de mercado e não significa que a Previ tem esse dinheiro disponível no banco. No contexto de um fundo de pensão, trata-se, em grande parte, de uma abstração. O preço de uma ação pode ser R$ 10 em um mês e R$ 7 no seguinte, mas isso não significa, de forma literal, uma perda patrimonial de 30%. Ainda assim, essa métrica é essencial para mensurar o valor do plano.
O fato é que, apenas com a desvalorização das ações da Vale, considerando o número de papéis detidos pelo plano e seus preços ao final de cada ano, houve uma perda de R$ 8,7 bilhões. No caso da Neoenergia, a perda foi de R$ 893 milhões; no Banco do Brasil, R$ 455 milhões; na Petrobras, R$ 152,5 milhões; e no Itaú, R$ 298 milhões. Somadas, essas cinco empresas perderam R$ 10,5 bilhões em valor de mercado. No entanto, essa desvalorização já foi parcialmente revertida, com um aumento de R$ 2,8 bilhões no valor de mercado dessas companhias até o momento.
Gráfico 2 – Total do valor de mercado das ações em posse do Plano 1 da Previ (quatro principais empresas) (em bilhões de R$)
Mas isso significa que Vale, Petrobras e Itaú perderam sua capacidade de gerar dividendos, que é o principal objetivo dos investimentos do fundo? A resposta é não. A tabela abaixo reproduz um levantamento da Janus Henderson com os maiores pagadores de dividendos do Brasil. Apesar da desvalorização de suas ações, a Petrobras segue como a maior pagadora do país, com US$ 10,83 bilhões em dividendos distribuídos em 2024, seguida pela Vale (US$ 4,16 bilhões), Banco do Brasil (US$ 2,72 bilhões) e Ambev (US$ 1,7 bilhão). A Previ tem participação em todas essas empresas, pois seu foco principal é o retorno via pagamento de dividendos.
Fonte: Janus Henderson
Claro que podemos questionar as proporções desses investimentos. Se há concentração demais em um ou outro investimento, se expondo demais a uma única empresa. No caso da Previ, por exemplo, ela é a maior acionista individual da Vale, com 8,76% das ações da companhia. No entanto, é difícil encontrar uma empresa mais sólida do que a Vale, que é a segunda maior do Brasil e, quase sempre, a segunda maior pagadora de dividendos, atrás apenas da Petrobras. O mesmo vale para outras companhias nas quais a Previ tem grande participação, como Neoenergia, Banco do Brasil, Petrobras, Itaú, Ambev, JBS, Vibra, Bradesco e Ultrapar – todas referências na economia brasileira.
Ainda assim, a solidez dessas empresas não elimina a possibilidade de oscilações no mercado. O funcionamento do mercado acionário envolve variações de preços, e essas flutuações não devem ser confundidas com fragilidade estrutural das companhias.
Além disso, é sempre importante lembrar que a Política de Investimentos de um Fundo de Pensão é submetida a aprovação do Conselho Deliberativo e, após isso, é encaminhada para a PREVIC, que tem a função de fiscalizar se a política está aderente as características dos planos e se está aderente à Resolução CMN 4.994/22 que “dispõe sobre as diretrizes para aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar”, normalmente com prazos de cinco anos, já que a previdência tem uma perspectiva de longo prazo. Não são escolhas aleatórias e sem nenhuma fiscalização.
O que fica claro é que essa ofensiva contra a Previ e a gestão do João Fukunaga, um ex-sindicalista, faz parte da disputa política que visa derrotar o atual governo em 2026. Nenhum indício de problemas na gestão foi apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no anúncio da auditoria “urgentíssima”. Muito menos problemas de gestão relacionados ao mau resultado dos ativos do plano.
É claro que temos de seguir fiscalizando a governança e a gestão dos fundos de pensão, mas não podemos dar margem para que os que, até ontem, arquitetavam o caminho para levar nosso patrimônio para a carteira dos bancos privados, criem espantalhos para atacar o sistema fechado de Previdência Complementar.
*Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e da AEPET-BA, e Rafael Prado, presidente do Sindipetro-SJC e Membro do Conselho Deliberativo da Petros
Divulgado no site do Sindipetro SJC