Por Eric Gil Dantas*
Nos últimos anos, a Petrobrás passou a integrar uma seleta lista: a das maiores pagadoras de dividendos do mundo. A estatal está ao lado de empresas como Microsoft, ExxonMobil, HSBC, Apple, PetroChina, Chevron, Johnson & Johnson, Taiwan Semiconductor Manufacturing e Pfizer. Em 2024, a Petrobrás ocupou a 14ª posição dessa lista, ao distribuir US$ 10,8 bilhões aos seus acionistas.
Apesar de ser uma posição bastante cobiçada no mundo corporativo, e de ser a única empresa brasileira no Top 20, isso não é exatamente uma boa notícia para os brasileiros.
Desde 2021, a Petrobrás se consolidou como uma máquina de pagamento de dividendos, sustentada pelos altos preços do petróleo, no pré-sal e pelo projeto de privatização – se não como uma empresa privatizada, ao menos como uma empresa que serve exclusivamente ao lucro dos seus acionistas. Infelizmente, a gestão de Jean Paul Prates não reverteu essa tendência, apenas a amenizou, estabelecendo que a política de dividendos da companhia seria de 45% do fluxo de caixa livre (antes era de 60%).
Como podemos ver no primeiro gráfico, o pagamento de dividendos da companhia antes do período de crise de 2015-2017 era muito mais modesto. Em valores corrigidos pela inflação, entre 2005 e 2014, a Petrobrás pagou em média R$ 18,4 bilhões por ano. De 2021 para cá, essa média subiu para R$ 125,4 bilhões (em valores de dez/24). Nos últimos quatro anos, a Petrobrás distribuiu R$ 501 bilhões em dividendos, valor superior ao próprio valor de mercado da estatal hoje, que é de R$ 467 bilhões.
Gráfico 1 – Distribuição total de dividendos no exercício (em bilhões de R$) – em valores de dez/24
Fonte: Petrobrás/IPCA-IBGE
Não foi apenas o volume que mudou de patamar. Considerando o total de dividendos em relação aos recursos líquidos gerados pelas atividades operacionais, a estatal saiu de uma média de 20% entre 2005 e 2014 para 52% entre 2021 e 2024. Ou seja, nos últimos quatro anos, mais da metade do que a empresa gera de novo valor tem sido direcionada para o pagamento de dividendos.
Gráfico 2 – Dividendos pagos em relação aos recursos líquidos gerados pelas atividades operacionais da Petrobrás (2005 – 2024)
Fonte: Petrobrás/IPCA-IBGE
Como mencionamos, a atual política de dividendos é definida pela seguinte fórmula: Remuneração aos acionistas = 45% x Fluxo de Caixa Livre. O Fluxo de Caixa Livre corresponde ao fluxo de caixa operacional (variável utilizada no Gráfico 2 como “recursos líquidos gerados pelas atividades operacionais”), deduzido das aquisições de ativos imobilizados, intangíveis e participações societárias. Ou seja, deduzido o investimento.
Essa política agressiva de dividendos apresenta pelo menos dois problemas principais. O primeiro é o incentivo à manutenção dos altos preços dos combustíveis. Apesar do fim do Preço de Paridade de Importação (PPI) como política de preços da Petrobrás, os preços ainda permanecem relativamente elevados. O indicador “preço de derivados básicos – Mercado interno (R$/bbl)” da Petrobrás em 2024 só foi menor do que nos anos de 2022 e 2023.
O segundo problema é a redução dos investimentos. Pela fórmula, quanto maior o investimento da empresa, menor será o fluxo de caixa livre e, consequentemente, menores serão os dividendos. É verdade que os investimentos voltaram a crescer. Comparando 2024 com 2022, os investimentos aumentaram 69%, passando de US$ 9,9 bilhões para US$ 16,6 bilhões. No entanto, isso ainda está muito aquém do período de grandes investimentos no pré-sal e nas novas refinarias, quando a estatal atingiu, em termos nominais, uma média anual de US$ 36 bilhões entre 2007 e 2015. Também está aquém dos novos desafios da companhia, com a transição energética e a expansão e modernização do parque de refino.
Mesmo com uma política de dividendos tão agressiva, que retira metade do dinheiro gerado pela companhia – dificultando a aplicação de uma política de preços mais justa e a retomada dos investimentos em níveis necessários para a transição energética – o “mercado” continua a atacar diariamente a estatal. De acordo com o Índice Global de Dividendos da Janus Henderson, quase metade de todos os dividendos pagos pelas dez empresas brasileiras que compõem a lista vem da Petrobrás. A segunda colocada é a Vale, com 19%, seguida por outra estatal, o Banco do Brasil, com 12%.
É impressionante como o “deus Mercado” e seus porta-vozes na grande mídia cobram tanto da Petrobrás e das demais estatais, mas ignoram as outras empresas do país, especialmente as privadas. Se somarmos todas as empresas privadas da lista, chegamos a apenas 26% do total de dividendos pagos: Vale (privatizada), Ambev, Bradesco, Telefônica Brasil (privatizada), B3, WEG, Suzano e Eletrobras (privatizada). Pelo visto, o pau que bate em Francisco não bate em Chico.
*Eric Gil Dantas é economista do Ibeps e da AEPET-BA
Divulgado pelo Sindipetro São José dos Campos