Por Maria Lucia Fattorelli*
Enquanto o país está mobilizado pela calamidade no RS, o nocivo PLP 459 retornou à pauta da Câmara e pode ser votado a qualquer momento
Enquanto o país está mobilizado diante da calamidade que assola o Estado do Rio Grande do Sul, o nocivo projeto de lei complementar PLP 459/2017 retornou à pauta do Plenário da Câmara dos Deputados na noite do dia 7 de maio, e pode ser colocado em votação a qualquer momento, tendo em vista que tal projeto se encontra em “regime de urgência” desde que chegou à Câmara em 2017. Por causa dessa “urgência”, o projeto deixou de ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), Comissão de Finanças e Tributação CFT), ou qualquer outra, apesar de sua elevada complexidade.
O referido projeto de lei tenta “legalizar” esquema financeiro que representa, na prática, o desvio de tributos que pagamos (e outras receitas públicas) para a realização de pagamentos por fora dos controles orçamentários, mediante o desvio dos tributos que pagamos, durante o percurso desses recursos pela rede bancária arrecadadora, de tal forma que tais recursos sequer alcançarão os cofres públicos. Adicionalmente, o esquema gera dívida pública ilegal e onerosíssima, que não é contabilizada como “dívida”, mas é paga por fora dos controles orçamentários com os recursos desviados, afrontando a Constituição Federal e toda a legislação de finanças do país.
Diante da completa obscuridade do cifrado texto deste projeto, e dos imensos e irreparáveis danos ao país e a toda a sociedade, importantes entidades da sociedade civil (ACD, ANDES/SN e FENASTC) entregaram “Interpelação Extrajudicial” (via Cartório de Notas e Documentos) ao atual relator do PLP 459/2017, ao presidente da Câmara dos Deputados e a cada líder partidário e de bancada naquela casa legislativa.
Com essa iniciativa, parlamentares que terão a responsabilidade de votar o PLP 459/2017 foram devidamente alertados e não poderão dizer que “não sabiam” dos danos escondidos em seu cifrado texto, repleto de “pegadinhas” e mágicas promessas. Algumas falsas propagandas chegam a afirmar que esse projeto que tramita na Câmara iria possibilitar que os entes federados recebessem um grande volume de dinheiro por meio da venda antecipada de créditos podres de dívida ativa (dívidas de contribuintes que não recolheram seus impostos em dia). Ora, quem compra algo podre?
Contrariamente à falsa propaganda, a chamada “Securitização” configura um péssimo negócio para os entes federados! No primeiro momento, o esquema até representa a entrada de algum dinheiro, quando os papéis financeiros emitidos pelo esquema (debêntures) são vendidos, porém, os rendimentos desses papéis (juros) têm que ser pagos, assim como resgatados no prazo estabelecido. E como os entes federados efetuariam esse pagamento?
Aí entra outra “pegadinha”. O projeto não fala de cessão de “créditos tributários e não tributários”, mas sim dos “direitos originados de créditos tributários e não tributários”. Mais adiante, em outro dispositivo, o projeto diz que a operação configura uma “venda definitiva de patrimônio público”. E que direitos são esses que estão sendo vendidos? O dinheiro já arrecadado de contribuintes e outras fontes! Contratos já analisados comprovam a “alienação fiduciária do fluxo de arrecadação”, que caracteriza a venda de parte do dinheiro arrecadado pelo ente público; um verdadeiro escândalo!
Trata-se, portanto, de tentativa de “legalização” de esquema que representa, na prática, a realização de pagamentos por fora dos controles orçamentários, mediante o desvio do dinheiro arrecadado de tributos que pagamos, durante o percurso desses recursos pela rede bancária arrecadadora, de tal forma que tais recursos sequer alcançarão os cofres públicos. A entrega desses recursos já arrecadados conta com garantia explícita do ente federado, que se obriga a repor o valor e até a indenizar como já comprovado por meio de Análise Documental disponível .
O esquema compreende uma nova forma de geração de dívida pública ilegal, mediante a utilização de empresa estatal (ou fundo) criada em cada ente federado para emitir debêntures, cujo produto da venda é em grande parte destinado ao ente federado, porém, a um custo exorbitante.
O “ativo” que o ente federado está vendendo é o fluxo da arrecadação tributária, ou seja, parte do dinheiro já arrecadado! Dessa forma, os recursos arrecadados de contribuintes não serão destinados aos cofres públicos, mas, no meio do caminho, ainda na rede bancária, serão desviados, através de contas vinculadas ao esquema, para investidores privilegiados que adquiriram as debêntures emitidas pela estatal criada para operar o esquema.
Para esconder essa grave lesão às finanças de todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), foi criada uma complexa “engenharia financeira” que tem iludido inúmeros governantes e parlamentares com uma inicial antecipação de receitas, porém, a um custo exorbitante (no caso de Belo Horizonte, o Município recebeu R$ 200 milhões, porém, cedeu fluxo de arrecadação no valor de R$ 880 milhões + IPCA + 1% ao mês, entre outros custos administrativos elevadíssimos) e insustentável, além de ilegal, proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, como já se manifestou o Ministério Público de Contas e outros órgãos de controle, como mencionado no texto da “Interpelação Extrajudicial” já mencionada anteriormente.
As consequências desse esquema são gravíssimas: além de seu elevado custo financeiro, haverá perda do controle da arrecadação tributária, que será em grande parte desviada durante o percurso dos recursos pela rede bancária, cujas operações são cobertas pelo sigilo; a contratação ilegal de dívida pública ilegal, disfarçada e totalmente insustentável; o comprometimento com vultosas garantias e indenizações em total desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal, além de danos incalculáveis ao orçamento público, tendo em vista que os recursos da arrecadação tributária e não tributária sequestrados durante o percurso pela rede bancária sequer alcançarão os cofres públicos!
O diagrama seguinte mostra como se dá o desvio dos recursos públicos por fora do orçamento, durante o seu percurso pela rede bancária, através de contas vinculadas ao esquema.
Diante dos imensos riscos envolvidos, é necessário pressionar parlamentares para que rejeitem o PLP 459/2017. A ACD preparou uma ferramenta para isso: basta um clique e você poderá enviar uma mensagem a autoridades e parlamentares na Câmara dos Deputados
Adicionalmente, é importante conhecer o esquema e acompanhar as mobilizações propostas pela ACD em suas redes sociais e página, a fim de fortalecer as iniciativas destinadas a barrar esse nocivo projeto na Câmara.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.