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Pessoas negras são maioria entre vítimas em intervenções do Estado, aponta boletim; Bahia lidera

Em um país que preserva, em muitos aspectos, heranças racistas de um passado não tão distante, se mostra sempre necessário revisitar a história e trazer importantes figuras e personalidades negras da formação da Bahia e do Brasil. Figuras marcantes da contemporaneidade e do imaginário do povo brasileiro, que construíram a história do país, e, por vezes, são apagadas ou desconsideradas.

Veja algumas dessas figuras históricas

Luiz Gama, baiano de Salvador, era filho de Luiza Mahin com um homem branco, que o vendeu como escravo. Jornalista, poeta e rábula (advogado sem formação), foi uma importante figura do movimento negro do século XIX e era apoiador do movimento abolicionista, onde ajudou a libertar mais de 500 pessoas escravizadas ao longo de sua vida, alegando que todo negro chegado ao Brasil a partir de 1831 deveria ser livre, valendo-se da lei Feijó. Em 2015, recebeu, da Ordem dos Advogados do Brasil, o título póstumo de advogado, pois em sua época foi impedido de estudar em instituições por conta do racismo. Três anos depois, em 2018, através da Lei 13.629, que o reconhece como Patrono da abolição da escravidão no Brasil.

Maria Felipa, nascida em Ponta das Baleias, atual Itaparica,  a figura da ex-escravizada que rodeia o imaginário do povo baiano e brasileiro, por incertezas acerca da comprovação de sua existência, tem sua história contada de diversas formas.

“Nasceu escrava, mas depois de liberta colocou a liberdade como maior tesouro de sua vida, moradora da Ilha de Itaparica, negra, alta, desde cedo aprendeu a trabalhar como marisqueira, pescadora, trabalhadora braçal que aprendeu na luta da capoeira a brincar e a se defender, que vestia saias rodadas, bata, torso e chinelas, foi líder de um grupo de mais de 40 mulheres e homens de classes e etnias diferentes, onde vigiava a praia dia e noite a fortificando com trincheiras para prevenir a chegada do exército inimigo, e organizava o envio de alimentos para o interior da Bahia (recôncavo), atuando na luta pela libertação da dominação portuguesa.”, por Eny Kleyde Vasconcelos Farias, em seu livro: “Maria Felipa de Oliveira – Heroína da Independência da Bahia.

Milton Santos, natural de Brotas de Macaúbas, interior da Bahia, era formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e foi professor do Ensino Médio.

Disse certa vez, durante uma das poucas palestras disponíveis em vídeo que “a luta dos negros só pode ter eficácia se forem envolvidos todos os brasileiros: Não cabe só aos negros fazer essa luta. Ela tem que ser feita sobretudo por todos.”, embora não tenha sido seu foco no campo de estudo, fez diversas colaborações acerca do assunto.

Concluiu seu doutorado em geografia na França, foi preso político em 1964, após o golpe militar, quando era integrante do governo da época. Após sair da prisão, trabalhou em universidades dos Estados Unidos, Canadá, França, Venezuela e Tanzânia. Ao voltar ao Brasil em 1977, para que seu filho nascesse na Bahia, lecionou na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Luiza Mahin, nascida na Costa de Mina, África, foi trazida no século XIX para o Brasil como escrava, tal qual tantos outros milhões de africanos, forçada. Figura importante na história brasileira e sobretudo baiana, Luiza se envolveu em revoltas emblemáticas na busca pela independência do país: Revolta dos Malês (1835) e na Sabinada (1837-1838). Recusou o batismo e a doutrina cristãs e era mãe de outra figura importante para o povo negro brasileiro, o Luiz Gama.

 

Reconhecimento às lutas do povo negro

Mulheres e homens negros, da Bahia e do Brasil, que sacrificaram suas vidas pela liberdade do povo, por justiça, pela democracia, e pela independência do Brasil. Lutaram, foram presos e alguns mortos, pagando com a própria vida. São os quilombolas invisibilizados e apagados da história, os heróis da Revolta dos Malês e dos Alfaiates, e dos milhões de João de Deus, e de outros tantos Carlos Marighella de ontem e de hoje.

Nomes esses que estão registrados e lembrados em ruas, praças e avenidas. No entanto, ainda há muito a se aprender para que seus legados e suas histórias sejam disseminados para além do Novembro Negro, e não fiquem restritos a apenas nomes em monumentos ou vias.

No último dia 03 de novembro, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), teve como tema da redação os “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, causando reações adversas nas redes sociais, como comentários de cunho racista.

No “X”, antigo Twitter, com muita facilidade era possível encontrar perfis se referindo ao tema da prova como “lacração”. E na maioria esmagadora das postagens, o preconceito, disfarçado de opinião, vinha de pessoas brancas.

Não é novidade que no Brasil a pauta sobre racismo ou identidade racial cause desconforto e questionamentos, muito em função da negação internalizada em muitas pessoas de que o racismo não existe ou ficou no passado — a população negra discorda.  Ao analisar os números de violência no país, há, de forma clara, uma segregação e propensão, principalmente da população negra, a sofrer violência, sobretudo por parte do Estado, como mostram os números.

 

A violência contra a população negra em dados

Segundo dados da Rede de Observatório de Segurança, 90% das pessoas mortas em 2023 por policiais eram negras. Significa dizer que a cada 10 pessoas mortas por um agente do Estado, 9 eram pessoas negras.

Cerca de 4.025 pessoas foram mortas por policiais no ano passado no Brasil, dessas, 3.169 tiveram a raça divulgada, e 2.782 eram pessoas negras, o que representa 87,8% do total. A Bahia é o segundo estado em que mais pessoas negras morrem por intervenção de agentes do Estado, onde 94,6% das pessoas mortas eram negras, ficando atrás apenas de Pernambuco 95,7%. A Bahia também é o único estado em que as mortes ficaram acima de mil em 2023, contabilizando 1.702 pessoas mortas.

Os dados são do boletim Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão, divulgado hoje (07) e que está em sua quinta edição. Os dados foram obtidos através da Lei de Acesso à Informação (LAI) e, mais uma vez, revelam a persistência da violência contra pessoas negras, tornando cada vez mais urgente a necessidade, não só de manter viva a presença e memórias de heróis e heroínas que lutaram bravamente no passado, como também a necessidade de aprovação de medidas que acabem com o extermínio do povo negro neste país, que perdura há séculos e condena gerações.


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